quarta-feira, 13 de agosto de 2008

É a malandragem...

No final das contas, quando a ficção e a realidade se encontram?

Se elas estão na sua vida, ótimo. Tire proveito de alguma forma, antes que tudo acabe, porque um dia a vida vai acabar, isso é certo.


CAPÍTULO II

No outro dia pela manhã Alvarenga apareceu do nada, me chamou e pediu pra continuar a história só nós dois. Sabia que tinha segundas intenções na jogada, se viesse Reginaldo seria a mesma coisa. Lógico que não aceitei, até porque a última coisa que queria ver era os dois o dia todo se ameaçando. “É melhor você não dormir seu velho podre” – essa era a ameaça número um de Reginaldo. “Vou te quebrar os ossos seu velho retardado” – era o que Alvarenga sempre dizia quando ficava nervoso. Mas sabíamos que nunca daria em nada.

“E então... vem aqui no meu quarto me contar o resto da história!”, disse Alvarenga. “Não senhor, você sabe que eu nunca aceito, porque insiste?”. Alvarenga foi pro pátio. Reginaldo estava no sol, com seu chapéu e seus óculos escuros. Alvarenga estava de boina e colocou os óculos pra ir até o pátio. Esperei os dois sentarem perto um do outro pra ir até eles.

Fiquei feliz, eles gostaram da história do meu filho, foram até o pátio sem eu precisar mandar e pela manhã ainda. Impressionante, normalmente Reginaldo acorda pro almoço ou quando Alvarenga vai acordá-lo, só pra ele ficar a manhã de mau humor. Eles são muito engraçados, diferentes dos outros. Ainda bem que cuido desses dois.

“Bom dia meus amores! Já estão me esperando? Sabia que haviam gostado da história do meu filhote querido”. Sentei, peguei os papéis pra ver aonde havia parado. Coloquei meus óculos de grau pra voltar à leitura, hoje por incrível que pareça, matinal.

“Nós paramos no protesto de sete de setembro...”, disse Reginaldo. Fiquei espantada, pela primeira vez ele sabia aonde havia parado. Até Alvarenga ficou espantado. Só me restou pegar o escrito e ler...

...

“Continuei com minhas propostas individuais, agüentei calado, mesmo quando ouvia falar de algumas cenas que aconteciam na cidade. Achava ridículo, por exemplo (além de me recusar a ver isso), uma banda se chamar “Anarcopunk”, tocando música cover! Usando nome de movimento!

Eu sei que é coisa de moleque, hoje eu sei. Mas isso aumentava a raiva das panelas que são criadas e essa era uma. Galera equivocada... e um dos motivos de montar uma banda, depois desses acontecimentos, era pra mandar essa panelinha a merda. Por isso surgiu o Contestado...”.

...

- Gostei do nome da banda – disse Reginaldo.
- Não interrompe seu chato... – alfinetou Alvarenga.

...

“Volto pro boteco em frente à casa de show, esse que o dono já estava me devendo uma grana, eu sabia que ele não iria me pagar (vendi uns anúncios pra um jornal que escrevia, ele não pagou a publicidade... pilantra). Enchemos nossos copos de conhaque... estava na hora. “Você sabe que está bêbado, então se cuida...”, foram às palavras da minha namorada, ela me deu um beijo e eu subi as escadas na lateral do palco de quatro, não só eu... acho que o outro guitarrista também.

O Gui estava com os olhos esbugalhados, atento, esperando o som começar. Ele mexe com som, além de ser nosso amigo, por isso a atenção e a tensão também. Abrimos o show, já na segunda música pedi pra repetir (não sei por que puxei novamente ela), dizia que era ensaio... depois a terceira e na quarta dávamos um tempo... uma pausa.

Antes de introduzirmos a quinta música chamada “Contestado”, comecei a falar, totalmente bêbado. Tirei todo mundo que estava no local. Na verdade, com exceção dos meus amigos e minha namorada que estavam lá, queria que o resto, aquela panelinha que antes falei, fossem todos tomar no meio da bunda. E foi isso que fiz... ou melhor... os mandei...”.

...

- Hahaha... punk rock – disse Reginaldo.
- É... bem sua cara mesmo. Não pense que eu esqueci o que fez uma vez. Eu estava lá, eu lembro muito bem...
- Lembra nada, você não sabe se é noite ou dia... aí safadinha, prossiga.
- Tá mandando mesmo ein! – brinquei, mas gostei de vê-los alegres, parecia que aquela história que meu filho estava contando tinha identificação com algo do passado dos dois, algo que eles escondiam de mim.

...

“Bom... toda ação gera uma reação. Naquele momento, estava ofendendo individualmente o rei da panelinha, eu com o microfone, mandando ele a merda e ele me xingando em frente ao palco. Num momento que realmente não vi (não estava vendo muita coisa), ele subiu no palco pra pegar o microfone, me deu um tranco e eu caí na bateria... antes mesmo dele imaginar falar algo, nosso baixista já havia mandado o instrumento em cima dele, o Junior (meu amigo de Foz do Iguaçu) já estava em cima do palco, eu tirei a guitarra e o meu amigo me empurrou pra cima do cara. Dando chute e soco.

Tiramos o “punk” de cima do palco na porrada – todo mundo irracional é claro – fomos parar ao lado, numa espécie de camarim. O Gui estava separando, o único consciente. Claro que voltamos a tocar, o baixista com o pé torcido, eu com a mão sangrando... mas o show não pode parar.

Ainda falei mais um monte de coisas do tipo: “tem que tocar músicas próprias...”, esse tipo de coisa... além de xingar muita gente. O som estava uma merda depois da briga, porém tinha gente curtindo. Ficou um show trash, minha mão sangrando, a banda completamente descontrolada. Afinal... eles tinham que conhecer um show de punk rock não é?

Tocamos, tinha mais um cara, esse que tentou bater na minha namorada durante a confusão. Bom... eu não sabia onde ele estava, mas fui tirado de canto pra evitar confusão e bem no lugar em que estava, conversando com Ágata, ele surgiu! Simplesmente botei Ágata pro lado e soltei um soco na cara do maluco. Foi certeiro...

Separaram... lógico, me expulsaram do lugar. Lá fora tinha uma galera que me esperava. Iriam me bater. O cara que subiu no palco estava lá. Vieram ao meu encontro... eu também fui ao deles, o Gui separando... “sou pai de família, vamos parar com isso”, dizia ele... se não fosse ele...

No momento o mesmo que subiu no palco estava querendo conversar, porém ele marcou e eu já fui dando um soco, aí a galera caiu em cima de mim, pra me bater mesmo, o Gui separando. Neste instante surge a Raquel, que estava com Junior, de carro... eu pulei pra dentro e saímos.

Aquilo tudo foi um descarrego – com todo meu sentimento, conhaque e honestidade situacional – é errado apontar a razão. A loucura falou mais alta, pois punk rock é energia mesmo. Eu sempre quis mandar a panelinha que estava lá à merda, então esperei todos estarem reunidos”.

...

Os dois estavam prestando atenção, achei ótimo, nunca tinha visto aquelas pestes em silêncio por tanto tempo. Estava orgulhosa deles e do meu filho, que havia escrito algo que chamasse atenção daqueles malucos.

...

“Depois de me deixarem em casa, briguei com minha namorada, com meus amigos e ainda voltei lá pra pegar meu cubo de guitarra, sozinho. No caminho ainda matutei que se viessem atrás de mim deveria estar preparado, então fui escondendo pedras e paus em lugares estratégicos, caso tivesse que voltar correndo.
Bom... apesar da minha preocupação... não havia muita gente por lá, peguei meu cubo. Minha namorada ainda foi chamada e teve que voltar lá. Me levou embora... com meu cubo...

Assim foi o segundo show do inesquecível Contestado, a história não acaba aqui, tem mais detalhes que estão na cabeça dos que estavam por lá. Não me lembro de tudo, até porque estava daquele jeito que vocês sabem. Mas lembro dos amigos que ainda estão por aí. E continuo com esse negócio no peito que são e serão shows, palavras, experiências, viagens... porque muita coisa nos aguarda”.

...

- E é isso gente! – disse em tom de alegria.
- Olha safadinha, preciso conhecer seu filho, parece um cara legal – disse Reginaldo – mas o apresenta só pra mim, sabe como é né, aqui nesse asilo tem cada retardado...
- Tá bom então... eu sei porque você quer conhecê-lo. Eu sei muito bem – e ambos deram risada, deixando algo no ar... eu não entendi muito bem, mas como eu disse antes, parece que eles escondem algo de mim.

Deve ser algo bem particular e que seja parecido com a história do meu filho. Sei que depois que terminei... chamei-os pra entrar, mas eles não deram muita bola, esperaram eu sair pra falarem baixinho, depois deram umas gargalhadas, como se soubessem de algo.

...

- É Alvarenga, o filho da safadinha sabe mesmo escrever... também... depois de ditarmos essa porra toda pra ele.
- É... mas ele escreveu do jeito dele né, nós só contamos a história. O moleque é jovem, talentoso.
- Pode crer... pois é... e nós meu velho! Essa história resgatou muita coisa, andei filosofando... já que nossa vida está acabando. Quem de nós vai morrer primeiro será?
- Pô... vai saber.