“Na música há agentes que propagam, com
raiva, alternativas e colocam o dedo na ferida. Sempre foi assim. Desde o blues
até o rap. Na politica, o ódio é um agente medieval; uma raiva retrógada que
parece um remix ditatorial. Isso ecoa, mas é um canto sem tom. Sem feeling” – do meu amigo
Diabolô.
...
Conheci
Enzo no trabalho, quando era recepcionista num hotel. Ele trabalhava de
mensageiro e o apelidei de Diabolô. Era rápido com um tiro, mas não tão rápido
quanto uma bala de fuzil, por isso levou o título de um chumbinho de espingarda
de pressão.
Nós
já mudamos de emprego, mas volte e meia surge alguns encontros pra colocar a
conversa em dia. E ontem não foi diferente. Conversa vai conversa vem, o papo
normalmente é sobre música e política.
...
-
Lembrei de você semana passada (disse meu nobre amigo Enzo Lino, mais conhecido
como Diabolô).
- Aé,
por quê?
-
Lembra que você colocava Dead Kennedys no radinho da recepção do hotel? Quando
não tinha ninguém por perto?
-
Claro! Bons tempos...
-
Então: li semana passada num site de música que há 35 anos Jello Biafra,
vocalista do DK, se candidatava a prefeito de San Francisco. O cara ficou entre
os quatro candidatos mais votados, entre os dez que disputaram.
-
(Rs) Pois é, tô ligado nessa história. Imagina o cara cantando “California Über
Alles” no comício?
-
(Rs) Cara... isso era uma coisa que eu queria ter visto.
- Eu
também.
- Que
pira né. Você já imaginou um prefeito hardcore?
-
Nunca! Mas gostaria de ver...
- Eu
também! Mas diz aí Diabolô, o quê você faria se fosse prefeito?
- Ah,
sei lá cara. Só sei que se fosse o Jello Biafra, faria a mesma coisa que ele
fez...
...
“Veja como são as coisas, nos livramos de
ter um Mick Jagger político e agradecemos por termos os Stones. Também agradecemos
por não ter a Gimenez como primeira dama” – Diabolô.
...
-
Rock e política! Fico imaginando como seria se um cara tipo o Mick Jagger fosse
prefeito de algum lugar!
-
Olha brother. Se fosse o Jagger, acho que não seria uma boa ideia. Tá certo que
ele está de aniversário, porra... 72 anos! Mas olha só... (e meu amigo detalha
sua análise):
“Contando os inúmeros casos extraconjugais
do vocalista dos Stones, acho que ele seria um político propício ao PMDB. Sabe
aquela coisa, um passo na situação outro na oposição. Uma figura política,
digamos assim, que não passaria confiança. Até porque ele tem a benção da
realeza britânica, o que tenderia ao conservadorismo” – Diabolô.
-
(Rs) Boa! Mas e se fosse alguém mais pop. Digamos! Deixe-me ver... o Dave
Grohl?
-
Olha... o Grohl seria tipo um Foo Fighters, superestimado pelo fato do cara ter
tocado no Nirvana. Por outro lado, assim como faz na sua atual banda, onde
chama diversas outras bandas mais legais que a sua pra turnês; faria uma
composição administrativa nessa linha. Isso indica humildade e saber reconhecer
o trabalho dos outros. Acredito que faria uma administração com grande
conhecimento técnico, misturado ao conhecimento prático. Pode até ser que dê
certo... pelo carisma!
- (Rs)
Ótimo cara! Está inspirado hoje ein?
...
“O Caetano de cueca com a Carla Peres e o
Xande é só mais um político querendo se aparecer” – Diabolô.
...
Estava
eufórico com a inspiração do meu amigo. Em todas as aspas que ele me pedia. A
cada intromissão em nosso diálogo. Estava contagiante ao ouvir suas palavras
sobre essa famigerada mistura. Até porque eu nunca tinha parado pra fazer tanta
alusão entre candidatos artistas e candidatos políticos. É estranho, o que faz
de alguém um líder em cima de um palco ou de um palanque? Uns são fabricados
outros nascem com o tão clamado “dom”.
O que
eu penso é que há certa ligação entre esses dois mundos.
...
-
Mais ein Diabolô, você falou de uns nomes gringos aí. E se fosse artista
brasileiro, quem encabeçava sua lista?
- Vixi
mano... aí a treta é feia... até porque não há regra pra isso né bicho. Quem um
dia ira imaginar que o Exterminador do Futuro fosse governador da Califórnia ou
o Tiririca deputado federal?
- É
verdade.
- Mas
acho que o Bezerra da Silva seria um bom nome caso vivo. Lembre-se, ele foi a
voz do morro durante muitos anos.
- Faz
todo sentido. Até porque tem artista que conhece muito mais a realidade do
brasileiro que os próprios políticos.
-
Claro... você chegou a ver o que o rapper
Kaskão disse esses dias?
-
Não...
- O
cara falou que pra melhorar o Brasil só o Marcola, do PCC, pra presidente.
-
Sério? Quando ele falou isso?
- Ele
não só fala como canta!
-
(Rs) Não conheço esse rapper.
- Eu
também não conhecia, mas acabei lendo a notícia. Ele ainda diz que sobraria
vaga pra vereador, prefeito, etc e tal, se o tribunal pra político fosse o do
PCC. Ia rolar cabeça sem parar com tanto ladrão que mente pro povo.
- É
verdade. Que doido isso, não?
- E o
cara, além de músico, ex interno da Febem e ex detento, hoje é formado em
direito. Então ele conhece as várias facetas do nosso sistema de leis. Da nossa
“justiça”.
- E
como conhece...
...
“Quem melhor dominar um determinado número
de pessoas, se descoberto e ajudado por uma forte estrutura, irá influenciá-los
diretamente”
– Diabolô.
...
Eu
fico muito intrigado com esta questão. Nos últimos dias, já que meu amigo falou
do Marcola, soltaram a notícia que o governo do estado de São Paulo negociou,
em 2006, com o PCC, o término dos ataques urbanos que o comando fazia. Seria
isso um exemplo da organização criminosa que exerce influência sobre o estado
de direito? Caso confirmada a negociação, o que isso se caracteriza?
Premonições vindas do rap nacional, que sempre cantaram que o crime está
inserido na política, não faltam; Facção Central que o diga!
Mas o
que não é novidade a política e a música caminhar lado a lado. Quando Public
Enemy, com sua música “Fight the Power”, levou inúmeros negros as ruas de Nova
Iorque pra manifestar seus direitos, a revolução foi cantada. Isso tudo captado
pelas lentes do Spike Lee. Também tem o exemplo da banda alemã Atari Teenage
Riot, que através de um caminhão de som saiu pelas ruas de Berlin destilando
seu ciberanarquismo que extrapolou o mundo virtual e ganhou requintes de
violência depois da repressão policial.
Essas
ações artístico/políticas são uma espécie de esperança infiltrada no sistema.
Não sei se o Papa Francisco vai escutar o CD do Racionais MC´s, que o prefeito
Haddad (São Paulo) entregou nas mãos do pontífice. O fato é que um político
levou a voz da periferia ao símbolo máximo de uma instituição que a cada dia se
redobra pra recuperar sua popularidade.
...
-
Olha... de fato mesmo nessa nossa pira é que o comício seria mais interessante.
-
Verdade. Seria bem melhor!
- Já
pensou: os candidatos mentiriam musicalmente. Seria mais honesta mentir através
da música, afinal, na arte cabe tudo, não é?
- Mas
é aí que está a questão né Diabolô. Na arte a mentira cabe, na política...
também...
-
(Rs) Infelizmente na política surgem artistas especializados em mentir. Já na
arte há mentiras sinceras e verdadeiras... (Rs).
-
Você acha mesmo?
-
Claro... vou explicar um pouco melhor (e lá vai Diabolô pra mais uma divagada):
“Quando palavras são ditas ou cantadas
através da arte, elas soam como agentes expansivos; responsáveis por reações
das mais diversas. Os artistas, que emitem tudo isso, podem adaptar para a
política toda essa mensagem.
Já na política, isso também existe. Mas com
uma estrutura um pouco diferente: nela, as palavras soam como agentes
cleptomaníacos, responsáveis por “adquirir” você. Após este estágio, já existe
toda uma estrutura para “guiar” nós receptores.
Ou seja: sobram agentes cleptomaníacos na
política e carece de missionários expansivos na arte. Uma crise de um lado e um
colapso do outro. E o pior já chegou... as coisas já se ramificaram. Na
política há um show com falas que soam fora do tom, mas que expandem uma
estrutura de agentes alternativos; normalmente e pra tristeza da evolução
ligados ao ódio”
- Diabolô.
-
Bom, meu amigo. Mas nem tudo está perdido.
- Um
quase nem tudo (Rs).
-
Enquanto você falava, acabei procurando um link sobre um prefeito de uma cidade
na Finlândia.
-
Ah... tinha que ser na Finlândia!
-
É...tinha que ser. Mas se liga só... deixa eu ver certo o nome da cidade...
hmm... porra... não consigo pronunciar... tente ler isso: Reykjavik.
- O
que é isso?
- É o
nome da maior cidade da Finlândia.
- Mas
qual a ligação disso com o que nós falávamos?
- É
que o prefeito é anarquista. Tem até tatuagem do CRASS.
- Do
CRASS?
-
Sim. Viu... nem tudo está perdido. Um prefeito fã do CRASS, a banda anarcopunk
mais famosa do mundo.
- Que
coisa doida, né?
-
Bom... resumindo. O cara foi um punk na juventude, tinha uma banda chamada
Nefrennsli, que quer dizer “Corrimento Nasal”! (Rs). Seu partido se chama Best Party
(O Melhor Partido). Tudo foi criado por artistas e punks para tirar sarro da
classe política. Eles prometiam, se eleitos, “dar toalhas de graça em piscinas
públicas, uma câmara municipal livre de drogas e não cumprir as promessas que
faziam. E foram eleitos”. Cara... acabei de mandar o
link da matéria pelo seu what´s, beleza?
-
Beleza. Quando chegar em casa vou ler. Deixe-me ver se chegou o link. Ah... aqui
está... chegou...
- É,
nem tudo está perdido...
- É,
nem tudo...
*Texto originalmente publicado no jornal Terra Sem Males.