quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O COVEIRO

Capítulo II – O início de uma jornada em direção ao fim



“É delegado... você e sua dona... bom... que a terra não rejeite vossas carnes podres” – e jogou o corpo de ambos, um em cada cova. Também matou a autoridade jurídica da cidade. Quando chegou a residência do juiz, ele se entregava fervorosamente ao presidente da Câmara de Vereadores do município. “Vocês representam a ausência do julgamento do que é certo e o que há de errado por aqui. Não investigam nada. Não defendem quem é injustiçado e não investigam quem detém o poder. Porcos”. Aí jogou os dois corpos no mesmo buraco. O juiz primeiro e o vereado por cima.

O coveiro entrava na casa das pessoas e sem qualquer sentimento de culpa passava a faca na garganta das vítimas. Era cirúrgico nos golpes. Aprendeu a usar suas facas com seu padrasto. Quando jovem, ele e seu criador treinavam golpes nos corpos que ali esperavam pra serem enterrados. Assim, com o tempo tornou-se um especialista.

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Após enterrar todos os corpos, sumiu sem deixar rastro.

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Agora o coveiro está em Curitiba. A cidade de clima sombrio o deixa mais em casa. Num canto do Parolin ele mora disfarçado. Como escondeu vários documentos de amigos que enterrou, tem diversos RG´s. Também dinheiro suficiente pra se manter por um bom tempo, já que na pequena cidade não tinha onde gastar e com o tempo acumulou alguns vinténs.

O coveiro, já instalado em Curitiba, passa a conhecer a região. Foi ao litoral, a Região Metropolitana, analisou a região do Centro Cívico, além de outros locais em que estão administrações publicas. Também passou pelos centros comerciais da capital paranaense.  Passou a investigar e estudar empresas e empresários. Seu objetivo e sua meta é semear cadáveres no seu cemitério ideal.

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Numa manhã ele novamente decidiu passar pelo Centro Cívico. Estava encucado com as questões que andava lendo na net. “Não é possível polícia não ter telefone, faltar gasolina pra viatura. Não é possível também delegado envolvido em crime. Não é possível. Isso aqui é terra de coronel também. A diferença é que tem mais prédio e mais babaca pra ser manipulado. Na verdade, por aqui tudo é possível. Até o meu cemitério ideal aqui é possível”, pensava enquanto aguardava um táxi.

Analisar o antro onde se misturam os trabalhadores, como ele, ao lado de futuros alvos, pode ser considerado muito rico – culturalmente falando. E neste dia, com o tempo chuvoso, ele percorreu a região cívica, viu diversas pessoas. Alguns ele reconhecia como alvo até pelo jeito de andar, outros sabia que eram trabalhadores comuns.

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“Não entendo. Quanto mais caminho, mais irritado eu fico. Tem muita gente pra enterrar nesse lugar”. E passou a ficar agoniado.

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Já meio molhado da chuva, depois de uma boa caminhada, resolveu entrar num outro táxi e ir até o Shopping Estação, que fica perto da Câmara de Vereadores de Curitiba, um lugar, pra ele, estratégico.

No táxi, o coveiro olhava pro motorista: “esse cara não para de reclamar, xinga todo mundo” – “Essa porra de cidade, é como diz minha prima, Curitiba quando chove, fodeu!”, disse o taxista, que buzinava, gesticulava e berrava.

Como o trânsito estava parado, o taxista desandou a falar merda:

- Tá tudo uma bosta. Tá todo mundo roubando e eu também quero o meu porra!

“Esse filha da puta é daqueles que gosta de ser corrompido então! É um bom alvo pra iniciar meu trabalho”.

- É bom quando chega eleição né? Ah! Aí sim, só lá no bairro sempre levo ‘algum’ dos magnata. Chega lá político que diz uma coisa, aí eu digo que vou defende ele, mas aí chega outro lá e dá mais dinheiro... aí eu fico negociando. Conheço todo mundo no meu bairro. Tenho influência. Conheço pastor, conheço líder comunitário, conheço padre. Aí vou negociando. Quanto mais político chegar, melhor... é mais grana que entra.

“Que porco gordo escroto”.

- Não tem político que presta. Não tem.

“Como se você prestasse” – o Coveiro só observava. Não falava nada. Pensava e nada mais.

- Já rolou uma vez de pegar uns trocado que era pro combustível da campanha, pra rodar no bairro... mas aí a gente vai na casa das querida gastar né... fazer umas festinha... ninguém é de ferro... ainda mais quando o dinheiro não é meu... HAHAHA...

“Além de tudo acha bonito fazer isso” – olha pro taxista ‘admirado’ com tamanha cara de pau.

- Olha aí ó... trancou tudo de novo! A porra toda fica parada. Que merda. Que bosta. Olha lá ó... tem que ser mulher! – e apontou pra um carro que tentava passar pra outra pista – Olha aí... tá trancando a porra toda! “Sua puta!” (tirou a cabeça pra fora da janela e gritou). Eu grito mesmo... esse táxi é meu... a placa é minha... grito mesmo... é isso aí...

“Esse é um que seu eu pudesse mandava agora pra vala. Só por diversão. Só pra treinar”.

- O que eu fico puto com essas vadia aí é que elas ganham o carro do maridão, que é corno filha da puta, e saem por aí achando que são donas do trânsito. “Comprou a carteira na zona sua vaca” (tirou a cabeça da janela e gritou novamente).

O coveiro está quase explodindo de raiva. Como parou de chover, paga o que percorreu e vai procurar um lugar pra comer.

Eles não haviam saído da região do Centro Cívico. Ainda estavam na Rua Mateus Lemes, perto do Shopping Muller.

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“Porco gordo. Essa coisa que tenho que chamar de gente é a pior espécie. É o que posso chamar de resto... de excremento. Faz peso na terra. E aquela praga pesa ein! Gordo filha da puta... escroto... porco... monte de banha... fala de uma mulher como se ela fosse algo inferior a ele. Que mulher em sã consciência aturaria cinco minutos ao lado desse rato hipócrita”.

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O coveiro procurou então um lugar pra comer e num restaurante, após sua refeição, foi dar mais uma volta. Na rua, já quase decidindo voltar ao Parolin, passou por uma manifestação. Resolveu seguir as pessoas, que o levaram novamente pro Centro Cívico, mais precisamente ao Palácio Iguaçu.

Junto à multidão, viu que os manifestantes acampavam ali em frente ao palácio do governo. Ele ficou no meio do pessoal.

Aí começou a fazer suas tradicionais e cuidadosas observações. Percebeu diversos trabalhadores no meio daquelas pessoas. Também reconheceu alguns que tranquilamente poderiam fazer parte do seu cemitério. O que o impressionou na cidade grande é tamanha hipocrisia das pessoas. “Esses caras são todos iguais. Sinto o mesmo cheiro de podre num hipócrita de terno e gravata e num hipócrita com bandeira de manifestação. Se é hipócrita é hipócrita. Se é ladrão é ladrão. Não importa o lado, vai pro meu cemitério. Bando de filha da puta de merda”.

Depois de muito tempo, muito andar pelas proximidades do Centro Cívico, o coveiro resolve voltar pro Parolin. “Já está na hora de mandar algum filha da puta pra terra. É preciso semear. É preciso semear. Preciso planejar algo, pelo que vi, terei muito trabalho!”.

Enquanto caminhava pela calçada na Avenida Cândido de Abreu, resolveu entrar num pequeno mercado chamado Super Dip. Queria algo rápido. Escolheu um pacote de bolacha recheada sabor chocolate. “Chocolate me acalma. Tem a cor da terra onde nasci!”.

Pegou o item e foi pra pequena fila.

- Você é uma vagabunda. Vai pagar minha corrida porra. Você acha que vim aqui de graça?

Pra surpresa do Coveiro, o mesmo taxista estava no mercado. Ele xingou a mulher do caixa e entrou em direção a prateleira. Pegou uns itens no mercado e começou a discutir com o gerente do estabelecimento.

- O que houve? – disse o Coveiro pra mulher do caixa, quando chegou sua vez.
- Esse taxista aí recebeu uma ligação nossa, porque tinha um cliente do mercado que queria um táxi. Enquanto o cliente aguardava, chegou outro táxi aqui e pegou ele. Aí esse cara chegou agora e está puto porque veio aqui de graça! Disse que é sacanagem nossa! Mas eu não tenho culpa... sou só funcionária aqui... agora ele quer que alguém pague a corrida dele até aqui...

Enquanto o taxista discutia com o gerente do mercado, o Coveiro pagou sua bolacha, foi até os dois e disse...

- Ei, por favor... o senhor é taxista não é? Peguei um táxi com o senhor hoje... está lembrado? Coincidentemente estou precisando de outra corrida... e o senhor está aqui agora!

A conversa com o gerente do mercado acabou ali. O taxista largou os itens e levou o coveiro pro seu táxi.

Coveiro: “Se é destino ou não, faço questão de ser o último passageiro desse cara. Pelo tamanho dele, a terra irá me agradecer. Os vermes ficarão satisfeitos”.  

Taxista: “Otário filha da puta. Esse cara me largou na metade da corrida hoje. Acha que eu esqueci? Vou cobrar é o dobro desse idiota”.