CAPÍTULO II
Meus filhos
ainda moram comigo, não porque eu quero, mas por opção deles. Minha casa é
gigantesca, há dias em que não os vejo. E nos últimos dias faço questão de
quase não sair do quarto. Minha filha aparece com mais frequência e faz
perguntas relacionadas a minha saúde. Já meu filho... esse sim... é um problema.
Faz indagações relacionadas ao passado. Quer saber sobre sua mãe, sobre a morte
da Luz! – “Esse pentelho não sabe como eu sofro só de pensar nela! Esse fedelho
já é um homem e se comporta igual um príncipe folgado. Maldito dinheiro!”.
Eu já não
sei mais as horas. Claro é dia... escuro, anoiteceu. A luz do quarto está sempre
ligada. Alguns livros ao meu redor, mas é tudo disfarce. Só o passado importa.
Deu tudo tão certo que não deveria estar aqui... trancado... mas depois de
estar frente a frente com esse maldito objeto, não consigo descansar. O coloquei
na mesa bem em frente a cama, pra observá-lo. Esse símbolo hippie, esse porta
moedas... me leva a outro mundo!
É quando seu
amarelo fica mais amarelo... quando ele se torna uma fonte de luz e me transporta
ao passado.
...
Em São
Francisco morava numa comunidade hippie. Era um lugar maravilhoso. Fumávamos
maconha, tomávamos LSD e transávamos sem parar. Era tudo sem pudor, mas ao
mesmo tempo ‘muito’ respeitoso.
Havia eu e
mais um amigo. Tínhamos algumas ideias evoluídas, ideias revolucionárias...
principalmente depois de estarmos ao lado de Charles Manson algumas vezes.
No acampamento
havia um bosque, não sei quantos quilômetros quadrados existia naquela área
verde, linda! Numa manhã alucinada, eu e meu amigo resolvemos entrar no mato.
Após horas de caminhada, paramos embaixo duma árvore pra descansar. Percebi que
o ambiente, o espaço entre uma árvore e outra, era perfeito pra fazer uma
espécie de ‘sala de reunião’ particular.
Marcamos o
caminho de volta, mantivemos segredo sobre nosso ‘esconderijo’. Ainda não
sabíamos a finalidade daquele achado.
No
acampamento sempre chegava mais gente. Mochileiros que tinham no ‘paz e amor’
uma filosofia de vida. Não que não fosse, mas eu e meu amigo não estávamos em
sintonia com aquilo.
Acreditávamos
sentir uma descoberta. Esperávamos a hora do instinto chamar.
Numa tarde qualquer
um amigo hell angel apareceu. Perguntamos a ele se não tinha umas menininhas
pra fazer uma festa diferente. Ele gostou da ideia e acelerou sua moto. Voltou
com uma mulher na sua máquina e mais duas em cima de outra motocicleta.
O encontro
foi longe da comunidade. Outros membros podiam deduzir algo como traição, não confiança
nos demais (fazer uma festa as escondidas era traição). Mesmo eles não tendo a
mínima noção do tipo de brincadeira que preparávamos.
Escondemos
as motos no mato. Explicamos que teríamos que caminhar um pouco. Todos com LSD
na cabeça. Na minha mochila uma machadinha bem afiada, mais um facão, algumas
cordas e sacos. Na mochila do meu amigo uma machadinha bem afiada, mais um
facão, algumas cordas e sacos.
Chegamos ao
lugar e o casal de hell angels já foi tirando a roupa. Nós fizemos o mesmo.
Transamos comunitariamente durante horas.
Para alguns a
luz ou a natureza e tudo que ela oferece, junto com belas mulheres, é o paraíso.
Porém pra nós faltava o ritual de encerramento. Algo diferente do que sempre
nos foi oferecido. A claridade enfraqueceu e quando morreu, num piscar de
olhos, tornei-me outra pessoa.
Meu amigo levou
duas das moças pra um canto mais distante. Uma das mulheres estava com o motoqueiro.
Fingi dormir. Quando não deram por minha presença, discretamente peguei a
machadinha e o facão.... aquela sensação primitiva apoderou-se... algo que
nunca havia sentido antes... aquilo gradativamente aumentou e me tornei um
caçador carnívoro e faminto. Não existia mais regra. Tudo que nos moldava
deixou de existir naquele momento. Apenas sensações primitivas vieram à tona.
E como um
cão ao receber o chamado da floresta, com um golpe de machadinha cortei a
garganta do hell angel. Uma única passada, com aquela lâmina afiada – foi como
cortar papel. E mais suave que isso foi quando a moça entendeu o que fiz! Ela
percebeu que era tarde... deu tempo dos seus olhos se encherem de lágrimas e,
ao tentar engolir pela última vez sua saliva, com leveza... deixei o fio do facão agir suavemente em seu
pescoço... ela se foi.
Após isso fui
atrás da outra festinha. Meu amigo já havia começado. Estrangulou uma das
garotas e o vi se preparar para estrangular a outra. Parti pra cima deles e num
ato cênico – com um salto de antecipação ao movimento alheio, aliado num
emaranhado de sensações extremas, passei o facão nela.
Comemoramos
com muita carne e ‘vinho’. Não parecia outro mundo, era outro mundo. Um mundo
selvagem e de sensação egoísta.
Agora o
aflorar selvagem suspira, pois uma porta realmente se abriu. E esses foram os
primeiros passos.