terça-feira, 10 de março de 2009

As fotos da alma

CAPÍTULO II

Olho pro lado e vejo o homem das sombras gesticular pra que eu o seguisse. Vou atrás e acabo num lugar em que não vejo nada além de fumaça. Ouço música, um triste blues. À medida que o som fica mais alto, percebo movimentação.

De uma forma assustadora abre-se um clarão em meio a fumaça e surge um bar cadavérico. Ossos o estruturam. Se não fosse tanto sangue e cheiro de podre seria um lugar legal.

...

Vejo aquela imagem que aqui parece ter mais “vida” sentada numa mesa a conversar com um homem alto, aspecto mórbido e postura ditadora. Não sei o que fazer e nem onde estou! Prefiro que eles não me vejam e vou até o banheiro.

Quando entro vejo um espelho. Lembro que tinha metido uma bala na cabeça. Vou ver como está meu crânio. Olho e levo o susto da minha “vida”. Aquele homem que conversa com a imagem presente em minha foto me observa pelo espelho. Ele sorri sarcasticamente e me puxa pra dentro.

Caio sentado ao lado daquela coisa e em frente ao homem que me puxou. Ele me olha com os olhos esbugalhados. Aquela coisa que está ao meu lado tenta me tocar no ombro, dou um empurrão e tento dar uma porrada nela, mas meu braço fica paralisado. “Aqui sou eu que faço as maldades meu caro. Fique calminho aí”, diz o homem do espelho.

“Quem é você?”, pergunto. A sombra resmunga ao meu lado como se eu tivesse feito uma pergunta estúpida. “Quem sou eu? Ora ora... sábia pergunta não? Como posso te explicar!”... aquele ser bizarro aponta o dedo pro homem sombrio ao meu lado, solta um lança chamas que torra o coitado.

...

Olho pra baixo e vejo que só sobraram cinzas. Então elas voam até um cachimbo do homem a minha frente. Em seguida uma bolinha meio amarelada sai do bolso dele e se encontra as cinzas. Ele taca fogo e fuma aquilo.

Eu observo estupefato. Em uma tragada ele acaba com aquilo. “Ai ai... essa parada é da boa... quer dar uma bola?”, pergunta-me o desgraçado. “Não... isso só pode ser um pesadelo!”... uma gargalhada diabólica, muita alta é soltada pelo homem.

Bolas de crack não param de ir pro cachimbo dele. Fuma aquilo sem parar. Olha pra mim e oferece toda hora. Toda hora eu nego.

...

Uma luz surge ao lado dele. “Mais essa agora”. Surge um homem igual a ele. Porém de aspecto mais sóbrio. “Olá... como está você jovem?”, me pergunta aquele ser. “Confuso”. Ele sorri e diz que é normal. “Faz parte do processo”.

O outro ser que acabara de chegar tira umas dez bolas de crack do bolso e as deixa voando em cima da cabeça do outro. “Melhor deixar ele ocupado por enquanto, vem... vamos dar uma volta!”.

Eu nem consegui responder. Já estava em outro lugar, com aquele ser que parecia mais normal que o outro, mas eram iguais em fisionomia. “Você verá agora diversas fotos, lembrará de tudo... se prepare pra ver o filme da sua vida em imagens psicodélicas”.

...

Num museu ao invés de exposições artísticas vejo minhas fotos. Vejo-me nascendo. Não é uma foto normal, ela tem movimento, tem som! Ouço meu choro. É inacreditavelmente arrepiante e curioso. Fico parado sem saber o que fazer.

As brincadeiras de criança, brigas com meus irmãos, meus pais me educando, me corrigindo. É hilário. Não tem como não sorrir. “Isso é ótimo. Não tem preço uma coisa dessas!”, eu disse hipnotizado. “Não tem preço? Pode ter certeza que tem!”, me disse o homem.

Não consegui terminar de ver, ele não deixou. “Venha, precisamos dar uma volta!”... “mas eu quero ver o filme até o fim...”. Quando terminei a frase estava numa rua escura e larga. Normal inclusive, com calçadas, bueiros e árvores.

...

Enquanto caminhávamos, ele ficava fazendo malabaris com umas pedras de crack. “Por que está com esses negócios aí?” – ele jogou uma no bueiro. “Obrigado!”, uma voz lá embaixo agradeceu. Seu sósia nos seguia. Era domesticado, um cão de guarda.

“Olha... precisamos negociar algumas coisinhas” – “Como assim?” – perguntei. “Acabou!” – uma voz surgiu das profundezas do bueiro. Com uma cara de quem estava de saco cheio lançou outra pedra. “Valeu!”, respondeu o maluco.

Bom... ele tentava iniciar uma conversa, mas toda vez aquela voz vinha de baixo pedindo mais e mais. Só faltava uma. Ele parou de fazer os malabaris. Olhou pra mim e deu um sorriso. Surgiu do bueiro um cachimbo que chegou até suas mão. O maluco instigado veio correndo atrás.

Porém esse que estava comigo soltou um lança chamas do dedo e torrou seu sósia. As cinzas foram até o cachimbo e ele fumou a última pedra de crack.

...

Agora fiquei confuso. Não sei mais quem é quem. “Achava que você não fumava!” –“Nunca viciei” – mas o tamanho daquela pedra era surreal. “Como não? Você fumou muita coisa agora! Só um viciado mesmo pra conseguir”.

E num instante o corpo dele começou a mudar. Ficou numa espécie de ressonância magnética viva. Mexia-se. Dava pra ver o sangue percorrendo os dutos condutores, as veias.

“Está vendo esses pontinhos brancos. Então... esse é o crack trabalhando em meu cérebro. Agora veja o que faço com ele!” – e num gesto rápido com a mão fez com que aqueles pontos brancos desaparecessem do seu corpo.

Então ele voltou ao normal. Sua cara estava mais tranquila também. “Nossa!” – me espantei. Ele olhou pra mim e falou: “só estou perdendo meu tempo com você porque temos que negociar”.

“Não estou interessado!”, eu disse. Tomei um tapa que me ergueu. Um voo de uns quinze metros pra trás. Recuperei a lucidez depois de uns segundos.

Passei a mão na minha cara. Olhei pra esquina, estava sozinho. A rua escura. As árvores, os bueiros, todos pareciam me observar. Agora estou sozinho num lugar estranho. Num lugar que não sei se é um lugar.

Isso parece estar apenas começando. Algo me dizia que ficaria pior. “Deveria ter negociado!”, pensei.