CAPITULO III
Pisco e sinto
lágrimas em meu rosto. Enxugo com um lenço, mas ao olhar, o que vejo é sangue.
Levo um susto, vou até o espelho atrás da porta. “Bosta, foi só mais uma
alucinação... daria tudo... daria a minha vida por um LSD antes de morrer”.
Mesmo assim,
pareço estar num estado de alucinação muito grande. Volto e deito. “Meus
fantasmas estão muito reais. O que aconteceu? Foi depois que comprei esse
maldito objeto... esse fusca maldito”. Como se percebesse meu estado de breve sanidade...
o fusca volta a brilhar.
...
Após nossa
primeira festinha, tudo mudou. Nós mudamos. As cores mudaram. A minha chapação
mudou. Observo tudo que acontece e isso dá mais vontade de voltar pro mato.
Saudade da desigualdade selvagem – definição que descobri quando conheci
Vincent e Louie.
Não íamos
com frequência ao nosso acampamento particular. Era uma forma de não despertar
suspeita. “Ficar em nosso canto na comunidade e observar as pessoas” era o lema.
Selecionava a caça. Funcionava. Sempre surgiam malucos de passagem. Muitos
queriam dar uma de espertos e tentar levar outros pra outros acampamentos. Um
comércio que ajudava no convencimento das vitimas. Dar um passeio, conhecer
outro acampamento... era a última jornada. O fim.
Estávamos
viciados.
Foi então
que num belo dia, vimos chegar duas pessoas. Uma delas era Louie. Quando a vi,
logo a amei. Senti algo diferente. Ao lado dela, Vincent. Um cara que me chamou
a atenção.
No começo
eles não conversavam com ninguém. Talvez procurassem simplesmente um lugar pra
descansar ou fugir. Contávamos com essa possibilidade, pois na primeira
conversa que tivemos com Vincent, ele nos pareceu muito inteligente. Louie
ficava mais calada, não se aproximava e ainda não havia transado com ninguém.
Numa manhã
Vincent chegou e perguntou:
- Há quanto
tempo está aqui?
- Sei lá –
respondi.
- Mas você acredita em algo? Algo melhor... ter coisas... sabe como é... ter coisas!
- Materialismo?
– indaguei.
Ele sentou
ao meu lado e disse que sabia do futuro, que viu coisas boas pra mim. Que eu
teria muita grana. Que o símbolo hippie não mais faria sentido no meu futuro.
Enquanto
‘escutava’, percebi que pela primeira vez Louie me via. Ela me olhou e tudo
tremeu, minha barriga gelou! Minha garganta travou. Nunca havia passado por
aquilo. Não consegui fazer nada.
Vincent
continuou, não dei a devida atenção. Lembro que ele disse que eu era um monstro
selvagem! Ao mesmo tempo eu disse que queria conhecer Louie. Ele a chamou. Fazia
tempo que não esquecia de todo resto. Olhava pra ela e ficava desarmado.
E num
momento de lucidez, quando saí da hipnose provocada por Louie, entendi que
minhas suspeitas sobre Vincent se concretizavam. “Ele é a próxima vítima” –
pensei ao olhar ele tragar o baseado e dizer:
- Hoje
falamos em dinheiro como um inimigo. Olhe aquele carro velho ali (apontou pra
um fusca todo pintado, com o símbolo hippie em vermelho). Vai chegar o dia,
daqui umas décadas, que faremos parte de algum tipo de sistema. Cada um deles será um depositário de corações. Nós seremos depositados num lugar escuro, indefesos
perante esse poder. Veja o carro escolhido por Hitler pra ser o popular.
Olhe... ele está numa comunidade hippie! (Pausa pra um olhar apocalíptico) No futuro
haverá outros formatos. Tudo será algum tipo de fachada. Nossas lembranças
serão mais curtas, as conversas menos profundas. Seremos um mundo de
caricaturas, sustentados por migalhas!
Aquela premonição
me assustou! O olhar apocalíptico de Vincent nos ameaçou.
E isso
impulsionou a volta do instinto caçador. Agora ameaçado em seu próprio
território.
Vincent será
convidado pra uma festa!
...
No meu
quarto, consigo abrir os olhos e vejo meu fusca perder sua luz própria. Como se
fosse controlado por ele, também apago.