terça-feira, 9 de dezembro de 2008

E o separador de banco...


Um beijo em minha namorada. Muitas viagens pra encontrá-la e agora estou na rodoviária. Meu ônibus está à frente, a fila é pequena. Dou mais um beijo nela. Entro e vou pra minha poltrona. Pela janela a olho e lanço mais um beijo, faço sinal com a mão de até mais. Vamos nessa, cair na estrada é rotina.

Ao meu lado, na poltrona da janela, uma menina loira a me observar. No início da viagem não faço questão de conversar e simplesmente fico na minha. Logo ela me pergunta:

- Aquela moça é sua namorada? – olho pra ela e acho sua pergunta estranha, mas vamos lá...
- Sim... é.
- Bonita.
- Muito bonita.
- Também tenho namorado. Me despedi do mesmo jeito que vocês se despediram.
- Pois é... namorar a distância é assim mesmo né.
- Eu não namoro a distância, namoramos na mesma cidade, mas eu é que estou indo fazer um curso em Curitiba.
- Certo... legal...

E nesse tom conversamos durante um bom tempo. A menina era legal, não dava pra ver se era bonita, mas eu estava num lance de nem reparar mesmo. Bem com minha namorada, aquela era apenas mais uma conversa, só que dentro de um ônibus.

...

Paramos de conversar durante um tempo. Depois de uma meia hora ela disse que estava meio inquieta, era seu jeito. “Sou um pouco impaciente, viagens longas são um saco né!” – disse em tom meio espontâneo, achei engraçado.

Então continuamos a conversa:

- Nossa! Eu nem perguntei seu nome?
- Inácio e o seu?
- Carla.
- Prazer...
- Prazer...

A conversa ficara chata, ela reclamava do namorado, que eles ficavam juntos demais e coisa e tal e coisa e tal. Eu não podia concordar, pois namorava a distância, só dizia que no meu caso estava tudo ótimo.

- Então... o ônibus pára aqui pra lancharmos, está a fim? – perguntei a ela.
- Não... vou ficar.
- Beleza.

Desci pra comer, fiz meu lanche, fumei um cigarro solto e estava preparado pra mais umas horas de viagem... e que viagem...

...

Ao voltar pra poltrona o separador de banco está levantado! E ela de lado, com o rabo pro corredor. Está bem na divisória entre as duas poltronas. Sento devagar, do um 'pescoção' pra ver se ela dorme. Parece que sim.

...

Sentei e o espaço era exato pra eu ficar paralisado, desconfortável. Coloquei uma mão no bolso esquerdo, pro lado do corredor e outra no direito, essa não no bolso, meia boca, pois estava meio cabreiro com a situação.

E a viagem rolou. Curva vai curva vem a loirinha se mexia e meu espaço cada vez mais restrito. “Essa mulher tá me tirando pra otário!” – mais um 'pescoção' por cima dela pra ver se dormia. Fiquei a olhar, mas não dava pra ver. Era escuro e eu estava puto da cara, pois não conseguia me mexer direito, só levantava meu pescoço...

O negócio ficou estranho, o rabo dela já estava na minha mão porra... como eu iria mexê-la agora! “Fodeu” – pensei comigo. Estava meio excitado e meio cabreiro. Nunca havia ficado numa situação dessas. Olhava e nada da tal de Carla se mexer.

...

De forma súbita Carla desperta, olha pra mim – eu não havia visto seus olhos direito e no escuro me pareceu assustador – pega na minha mão, aperta com força. Fiquei sem reação. Ela levanta sem falar nada e saí pelo corredor. “Que porra essa mulher tá fazendo?” – me perguntei.

O ônibus panorâmico tem o motorista embaixo. Ela desceu a escada e foi pra lá. Esses minutos que seguem foram de um tormento incalculável.

...

“Filha da puta, eu tô na merda agora. O que essa mulher vai falar pro motorista, já era... Vou perder meu emprego! Minha namorada! Queimar o filme geral... vou aparecer na imprensa: ‘preso tarado em ônibus’... o que vou fazer?”.

A tortura aumenta com o passar do tempo. Corro contra o tempo. Olho pela janela pra ver se tem guarita a vista. “Vou lá no motorista... não tenho outra alternativa... essa vadia tá querendo acabar com minha vida”.

...

Caminho pelo corredor, minhas mãos geladas, suor frio... “se eu não fizer isso vou preso!”. Desci a escada e cheguei à porta do motorista. Bati e tentei abrir. Ele lá dentro me deu uma olhada, eu fiz sinal que queria falar. Após o sinal de positivo, entrei.

...

- Olha... acho que houve um mal entendido e preciso dar minha versão da história! – olhei pra poltrona onde normalmente senta o outro motorista e a mulher chorava igual uma criancinha.
- Fala logo porque a primeira guarita que aparecer vou parar pra você descer – disse o motorista. Minha perna tremeu...
- Olha... não sei o que foi dito pro senhor, mas ela que veio puxar conversa comigo desde o início da viagem. Me viu com minha namorada, falou que também tinha namorado... não tentei nada com essa mulher, tenho namorada, é bem mais bonita que ela, estou indo pra Curitiba porque moro e trabalho lá... (tenho que falar, a qualquer momento pode aparecer uma guarita). O negócio é o seguinte... a hora que voltei da lanchonete cheguei na poltrona e o separador de banco estava levantado. Até então estávamos com o separador, aí volto do lanche e ele está levantado? Com o rabo dela virado pro meu lado? Não é estranho?
- VOCÊ LEVANTOU O SEPARADOR DE BANCO? – disse o motorista de forma seca e objetiva. Olhou pra ela rápido e voltou a olhar pra estrada. A mulher olhou pra nós e voltou a chorar.
- Olha aqui... você pensa bem no que quer fazer... vai ter que dar a sua versão da história também... sabe que não fiz nada... entra lá e senta numa outra poltrona, eu fico aqui... entra lá... não quero me complicar por causa de você... pensa bem no que quer fazer... pode ferrar a minha vida... e sabe que não fiz nada! – a melhor defesa é o ataque...
- Você que decide... quer que eu pare na guarita ou não? Escolhe! – disse o motorista.
- Não precisa... é só esse cara não sentar mais ao meu lado. “Ainda tenho que ouvir isso” – pensei comigo.

Enxugou suas lágrimas e foi pra poltrona.

...

Olhei pro motorista...

- Cara... essa mulher tentou ferrar com minha vida!
- Até que era uma loirinha mais ou menos né – disse o motorista em tom de brincadeira.
- Meu irmão... não brinca comigo numa hora dessas... eu estou tremendo cara!
- É se você não vem... eu teria que parar e aí?
- Nossa cara... nem me fale...
- A policia segura na guarita e dependendo o caso... dá bicho feio...
- Mas cara... eu não fiz nada... essa doida tirou o separador de banco e virou o rabo pra mim porra...
- Mas você não deu nem umas pegadinhas! Nada! Nada!
- Nada cara... devia ter socado a mão no rabo dessa mulher aí... se soubesse que ela tentaria me ferrar...
- Tem mulher que é bicho feio... tem umas que fingem esse tipo de coisa e vem aqui pra cabine arrumar esquema com motorista. Aconteceu com vários amigos meus... depois da viagem o esquema tá armado. “Amigos né... sei...sei...” – pensei com meus nervos.
- Você tá de brincadeira comigo. Isso rola mesmo?
- Claro... e muito. Agora vai lá pra outra poltrona que você não pode ficar aqui, é proibido.
- Beleza – "esse motorista é gente fina".

...

Levantei, subi a escada, o corredor totalmente escuro, não via as pessoas, será que elas perceberam o que se passou. Achei uma poltrona atrás da que eu estava sentado. Um gordo roncava ao meu lado. Tomava maior espaço do que Carla. Com toda certeza estava pior acomodado que antes.

Após alguns minutos, ao sentir a redução da marcha do ônibus, vi algumas luzes e com a proximidade consegui visualizar uma guarita. Num instante pensei estar numa poltrona de rei... com todo conforto que o dinheiro pode comprar.

O que sobrou no final disso tudo foi uma imensa vontade de pegar essa tal de Carla maluca e enfiar o separador de banco bem no meio do olho do seu...