terça-feira, 8 de março de 2016

O que será que o Redson diria sobre Mariana?




“Eu ‘tava’ ouvindo Cólera no fone. Deixei a TV no mudo. Só vi que passava uma notícia sobre Mariana. Abri uma cerveja, nem deu tempo de tomar o primeiro gole e já tocou o telefone...”.

“Comigo foi meio parecido. Tem dias que ‘tô’ doido pra tomar uma cerveja. E bem na hora que eu ia sair... tocou o telefone”.

Os dois amigos se encontraram no Bar do Diabolô. Ambos tentavam entender o porquê de estarem ali e daquele telefonema estranho.

...

No boteco pequeno e fuleiro, com as marcas das incompletas reformas prometidas por Diabolô, uma pequena TV estava ligada.

Passava jornal... mostrava o indiciamento dos diretores da Samarco e do acordo que os estados de Minas e Espírito Santo assinaram com a empresa. Agora, com a criação de um fundo de R$ 20 bilhões, espera-se a recuperação do Rio Doce em 15 anos. 

Então Diabolô simplesmente desligou a TV e tudo começou.

Na vitrola...

(...) Água e ar, vítimas de contaminação química
Você viu armas feitas com pedaços de nossos corpos
Você viu sua pele irmã a preço promocional na vitrine
Eles, não viram nada além do lucro
Eles, usam sua pele sentado sobre nossos pedaços,
Eles têm projetos milionários para exterminar todos nós (...)

Ele colocou o LP “Verde, não devaste!”, de 1989, do Cólera.

...

- Nesses últimos meses, depois que aconteceu a parada lá em Mariana, ouço Cólera com mais frequência – disse Diabolô.
- Então, coincidência ou não, também estava ouvindo eles antes de você me ligar. Aliás, que porra de telefonema foi aquele, véio?

“Hey, aqui é o Diabolô, venha conhecer meu bar!!!”

- Hahahaha... que lixo de mensagem!
- Hahahaha... eu gravei uma tele mensagem do bar e fiz o teste com vocês. Funcionou pelo jeito...

Depois de algumas cervejas um dos amigos pergunta:

- Viu Diabolô, e essa grana aí nessa caixa, você vai mandar pra Mariana?

No canto do balcão, encostado numa parede, havia uma caixa de papelão com algumas notas de real. Nela estava escrito: “Mariana”.

- Vai! Na verdade essa grana vai pra conta de um amigo que mora em Mariana. Aí lá eles se viram.
- Mas rola uma grana boa? – perguntou o outro amigo.
- Cara, aqui no bar não. Mas aí juntamos a grana de outros bares e assim vamos somando. Um bar... outro bar e mais outro... dá uma melhorada, né?
- Massa. Tem uma galera envolvida, então?
- Tem... tem sim.

...

Diabolô falava sobre seu grupo de amigos. São vários donos de boteco numa página de rede social. Após o que houve em Mariana, um dos membros que era de lá pediu ajuda financeira.

“Somando todo mundo deve dar uma grana legal”. Diabolô explicou aos seus eternos fregueses como funcionava o esquema.

Depois da conversa, cada um de seus amigos colocou trintão na caixa.

- Quem colabora ganha um chopp – entregou os copos aos amigos e continuou a conversa com uma de suas tradicionais perguntas:

- O que cada um de vocês tem a dizer sobre o que aconteceu em Mariana?

“Samarco fdp” – foi o que ambos responderam e logo beberam seus respectivos chopps.

- Esperava mais de vocês... – brincou Diabolô e já foi cantando a letra da música Verde que rolava naquele momento na vitrola. 

Minha vida, sua vida
Nossas vidas dependem do verde

- hahahaha... boa! Cólera é foda. Depois desse vinil você pode escolher outro deles que eu não vou me importar.
- Nem eu!!! É bom ouvir esses caras.

Então Diabolô foi até a vitrola e colocou outro álbum:  Pela Paz Em Todo Mundo”.

Os três cantaram o início da faixa “Medo”:


As vezes tenho medo
As vezes sinto minha mão
Presa pelo ar
E quando eu olho em volta
Encontro uma multidão
Presa pelo ar.

As vezes tenho raiva
As vezes sinto que a ilusão
Me faz recuar
Pois muita gente mente
Pois muita gente te dá a mão
Só pra empurrar.

...

Naquele momento só estavam os três no boteco. Diabolô começou a beber conhaque e os outros dois bebiam chopp. “Quem ficou... ficou... quem não ficou... já era!” – brincou o dono do bar, que olhou pros amigos e fez mais uma de suas perguntas:

- O que esse som pode fazer por você?
- Ah, sei lá... me deixa bem. Gosto de música pacifista! – bem na hora começou a tocar “Pela Paz”.
- Que bosta de resposta – interrompeu Diabolô.
- Ah, lembrei! É desse álbum a música “Humanidade”. Curto pra caralho esse som – disse o outro brother, berrando:

POR TODA HUMANIDADE
POR TODAS AS VIDAS EM GERAL

Depois de mais um tempo, Diabolô foi até a vitrola e puxou outro álbum: Deixe a Terra em Paz”*.

Ao voltar, soltou outra pergunta:

- Ein... o que será que o Redson diria sobre Mariana?
- Porra, que pergunta é essa? Como assim?
- Ah cara, vocês poderiam aproveitar que estão bêbados e tentar desenvolver a porra de um raciocínio. Isso ajudaria...
- Tá véio, o que você quer que eu diga? Quer que eu cante uma música deles?
- Você quer que nós cantemos pra você a capela? Que bizarro cara! – e caíram na gargalhada.
- Porra, tá difícil!! – desistiu Diabolô, virou mais uma dose de conhaque e foi encher outra.
- Só digo uma coisa pra vocês... – voltou já terminando mais um copo e com a garrafa na mão.
- Ih! Lá vem...
- Lá vem merda!!!
- Preciso ouvir esse som! Meus amigos, eis a fodástica “Deixe a Terra Em Paz!”
– Diabolô falava de uma música do último álbum de estúdio do Cólera antes da morte precoce de Redson (fundador, guitarrista e vocalista da banda):

Bicho gente está doente
Mata o mundo, mata gente
Parem as guerras
Deixe a Terra em paz!

- Cara, esse álbum é muito foda... é nesse aí que tem “De ET pra ET”?
- É esse mesmo. Pera aí, já vou colocar essa... – disse Diabolô.
- Eu não sei o que o Redson diria pra Mariana. Mas pro povo de Mariana ele diria isso: Forte e grande é você! – e os amigos repetiram várias vezes essa parte da música.

...

Depois de um tempo, Diabolô olhou os amigos e deu seu clássico sorriso embriagado. Parou em frente aos dois que estavam escorados no balcão e disse:

- Terminem de tomar esses copos e vazem que eu vou fechar o bar.
- Ah, você tá de brincadeira, né?
- Porra! Sério?

Mesmo com a indignação dos fregueses, completou:

- É isso mesmo, virem logo esses copos ae...

Os rapazes viraram seus goles. Diabolô fechou o bar. Colocou o vinil no encarte. Desligou o som...

Quando estava pra apagar as luzes, olhou pro seu telefone e lembrou da “tele mensagem”:

“Foi um bom trote” – pensou.

Guardou o dinheiro dos amigos de Mariana e sorriu! Deu mais um gole de conhaque e foi descansar. “Forte e grande é você... forte e grande é você” – cantarolou em direção ao seu repouso.



*Nota do Autor: o álbum “Deixe a Terra em Paz” não foi lançado em vinil. Pelo menos eu nunca vi ou ouvi falar. A utilização dele na vitrola do Diabolô faz parte da obra de ficção.


Diabolô é um velho conhecido da coluna LP (link 1 e 2).

** Texto originalmente publicado via Terra Sem Males