segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Larroy: meu amigo guerreiro underground nerd

Recebi uma ligação estranha hoje. Meu amigo de longa data Larroy, que viajou pra gringa reapareceu! “Ei cara! Vamos tomar uma lá no ‘Calibra’?” – “Vamos!” – respondi. Meio estranho Larroy todo nerd me convidar pra ir nesse boteco.

Lia ‘No Coração das Trevas’ do Conrad e mesmo o ‘Calibra’ sendo parecido com as trevas descritas pelo autor lá pelo final de 1800, fui. Pensei comigo: “quando foi à última vez que vi Larroy?” – não lembrei... (quer conhecer Larroy? Tem postagem antiga dele no blog... rs).

...

Entro no bar, aquele cheiro de gordura. “Puta merda, fazia tempo que não vinha aqui. Até o cara do balcão não é mais o mesmo” – pensei ao observar o bar. Olhei pros lados e não vi Larroy. Sentei em frente ao balcão, numa cadeira alta. “Dá uma dose de Jurubeba e uma cerveja”. Dei uma bicada de leves na Jurubeba e mandei uma cervejinha pra... vamos dizer assim... calibrar...

Bom... já havia acabado a primeira dose, estava impaciente, queria sair fora. Aí chegou um cara que cumprimentou o rapaz do bar, acenou pra umas mulheres numa mesa e veio em minha direção. Olhei direito: “porra é o Larroy!”. Estava com um sorriso largo na cara, barba por fazer e uns óculos escuros! Que porra é essa? O cara pirou?

- E aí cara! Quanto tempo? – Larroy veio me abraçar.
- E aí Larroy, tudo certo? Como está?
- Cara... tô numa boa mesmo. E você?
- Também! Tudo certo. Senta aí.

...

Larroy sentou e começamos a trocar ideia. Não pode ser a mesma pessoa. Ele era um nerd, agora parece um gigolô. Esses óculos na cara! Parece à propaganda da Skol, aquele carinha com o Beto Barbosa. Puta merda, o que aconteceu com Larroy?

...

Meu camaradinha pediu uma cerveja e uma dose de pinga!

- Cara, você sabe que por onde eu andei, a pinga é muito chique viu!
- Pô... legal Larroy. E por onde você andou?
- Bastante lugar cara.
- Por exemplo?
- Londres, Berlin, Amsterdã e Barcelona foram às principais cidades que morei.
- Porra... não precisa dizer mais nada! Tá explicado porque está diferente! Mas quanto tempo ficou fora? Chegou faz quanto tempo?
- Faz quase um mês que estou por aqui. Fiquei fora uns dois anos e meio, por aí. Cara... depois de todo esse tempo, o teu celular continua o mesmo né...
- Sim... ainda.
- Impressionante!
- Pois é...
- Mas e aí... quais as novidades?
- Porra cara... nada demais, quer dizer... esses dias aconteceu uma coisa meio estranha comigo... (dei uma pausa, olhei pra ele e continuei) porra véio... tira esses óculos pra conversar comigo cara... é quase meia noite, o que você quer com esse óculos?
- É que acabei de fumar um baseado cara!
- Como é que é? Você?
- Pois é... tenho um fumo do bom!
- Ei... fala baixo aí mano... tá maluco?
- Qual é... aqui não dá nada. Se eu quiser fumo aqui dentro.
- Então por que os óculos porra?
- Estilo cara... freak style!
- Cala a boca mano... tá sem noção agora?
- Relaxa cara... pô... relaxa!

...

As coisas mudam mesmo, antes era eu que levava esse cara pra pirar, mas agora ele está aí, meia noite, com uns óculos ridículos na cara. Puta merda.

...

- Mas você ia falar alguma novidade não é? – disse Larroy.
- Aé... faz quase um mês... ou mais... sei lá... levei uma mordida de um vira-lata. Porra logo em agosto, mês do cachorro louco. Tá ligado?
- Você está brincando comigo?
- Não cara...
Mostrei a marca da mordida na minha perna. Mas Larroy estava muito doido. Logo mudou de assunto!

...

Na verdade foi até melhor ele partir pra outra. Ele sempre vem com assuntos inusitados... e dessa vez não foi diferente. Foi só eu falar de agosto que meu amigo ex nerd lembrou algo que tivesse ligação.

...

- Cara... você vê né... agosto... exatamente no dia 21 de agosto foi o mês em que a humanidade consumiu todas as reservas ecológicas naturais da terra. Sabia?
- Porra Larroy... do que você está falando? Claro que eu não sei disso... nem sabia que tinha estudo nesse sentido. Que pira cara...
- É verdade. É uma doidera... vai vendo! Esse dia – 21 de agosto de 2010 – foi um marco: o dia em que o mundo utilizou toda a água que se recarrega espontaneamente nas camadas subterrâneas, além de todas as ervas que os campos produzem; sem deixar de falar de todos os peixes do mar e dos lagos e também de todas as colheitas das terras férteis... frutos dos bosques...
- Você está de brincadeira né. Continua um nerd maluco. Agora do Greenpeace?
- Cara... o papo é sério. Eu li num artigo! Olha só... o fato é que acabamos com o espaço útil pra colocar nossos detritos. O gás carbônico, por exemplo, é o que causa o caos climático. Sacou? Foi dia 21 de agosto esse marco, depois disso, é como se já tivéssemos falido com a terra.
- Que foda! Interessante esse papo. Prossiga.
- Você sempre o mesmo sarcástico filha da puta.
- Obrigado.
- Sabe o que vai acontecer? – começou a falar mais alto, como se previsse o futuro – Vamos pegar as águas que não se alimentam das chuvas, nos depósitos fósseis, faremos pastos nos desertos. Depois esvaziaremos os mares e rios, acabaremos com tudo. Vamos continuar perdendo florestas! Destruímos o equivalente a mais de 60 campos de futebol por minuto, os gases poluentes já invadem a atmosfera e o calor está foda! – quase gritando! Puta merda... coloquei a mão na cabeça e olhei pra trás... todos olhavam pra Larroy! – Haverá mais enchentes e incêndios. Estão preparados?

...

Meu amigo apontou pras pessoas. Elas arregalaram os olhos! Ele abaixou os óculos e mandou uma piscada pra uma bêbada no canto do bar. “Puta merda!” – pensei comigo: meu amigo virou um guerreiro da noite, um profeta underground nerd. Será que isso existe? Ele parou de falar e sentou ao meu lado novamente. Mais calmo... continuou:

- Cara... eu li isso na Global Footprint Network. Eles calculam a porra toda. Pegada Ecológica é o nome do estudo. Isso corresponde a vários estilos de vida.
- Certo... muito interessante o que você disse. Além da sua interpretação... foi digna... gostei... apavorou!
- Obrigado cara! – ele acreditou mesmo!
- Mas e aí... o que mais essa Global diz sobre o assunto?
- Então... eles dizem que se todos vivêssemos como vivem os norte americanos, precisaríamos de outros quatro planetas pra satisfazer nossas exigências! E se fosse como os ingleses, a média cairia pra dois e meio, já como os italianos, um pouco menos.
- Como isso, como aquilo... tá comendo todo mundo mesmo em Larroy. Parece o Serra!
- Olha só... – ignorou minha brincadeira no meio da conversa – deveríamos nos espelhar nos indianos, que usam aquilo que precisam. Eles deixam mais de meio planeta de recursos a disposição de outras espécies.
- Pode crer! Viu – apontei pro cara do balcão – mais uma Jurubeba, por favor!
- Hoje se consome um planeta e meio. Nossa voracidade e ganância continuam a todo vapor! Porra... eu fico doido com isso cara! – e deu um murro no balcão... tinha um senhor ao seu lado que tomou um susto – Desculpe senhor! – educadamente disse Larroy.

O cara não deu importância. Estava mais travado que o bar inteiro.

- Pra você ter uma ideia – se aproximou de mim, agora falando alto novamente – nós usamos o limite crítico (sua voz foi numa crescente, os olhos esbugalhando!), pois a demanda de serviços ecológicos já foi ultrapassada em 1986. Meu deus! Em 86 cara... em 86! – gritou!
- Tira à mão da porra da minha camiseta seu retardado, vai rasgar essa merda aqui!
- Foi mal cara... pô... desculpa aí...
- Tá, tá... beleza... mas fique um pouco mais longe. Ok?
- Ok. Mas então... estamos no débito com a Terra faz algum tempo. Todo ano é feito este estudo, dessa vez o marco constou dia 21 de agosto. Isso se chama ‘Earth Overshoot Day’.
- Que foda cara – fiquei realmente reflexivo, Larroy pegou pesado. Me fez pensar: é mais ou menos se acabasse a grana que eu tenho pra gastar o ano todo, em agosto!
- Nós não conseguimos financiar nosso consumo. Estamos sem crédito com a natureza, sacou?
- Saquei cara! Puta merda! Mas tem volta isso? Podemos dar um jeito?
- Pra reduzir alguma coisa precisamos comer menos carne, utilizar bicicleta ou metrô algumas vezes, usar fontes renováveis, essas coisas! Os pequenos gestos farão a diferença. Por exemplo: a Pegada Ecológica de um norte americano equivale a nove hectares, de um alemão quatro.
- E de um brasileiro?
- Pô... não sei... só sei que estamos todos fodidos.
- Olha Larroy, você me surpreendeu! O mundo inteiro está endividado cara! Isso é bom... tira um peso da minha consciência!
- Pois é cara... nem me fale em dívida...

...

Neste momento a Terra parou! Vendavais, furacões, estiagem, morte, tudo... tudo de pior surgiu na minha mente. O que! Larroy veio dar uma de malandro pra cima de mim? Será que essa história é mentira? Ele fez uma introdução pra falar que está com dívidas?

...

Larroy tirou seus óculos. Estava com os olhos bem vermelhos ainda. Chegou meio perto de mim e veio com o papo:

- Cara... estou com uma dívida foda!
- Como assim? Não entendi?
- Aqui em cima do bar (apontou pro teto) abriu uma zona! E tem uma gordona que está na minha cola cara! Faz umas três semanas que venho aqui, mas faz uns dias que não pago!
- Porra Larroy, nem sabia desse negócio de zona aqui em cima. Mas que vacilo ficar sem pagar meu chapa! Fez o que na Europa? Ficou na zona lá também seu otário!

...

O dono do bar sinalizou pra Larroy, mas ele não percebeu. Novamente o cara sinalizou, mas era tarde. “Seu filha da puta! Vem aqui seu desgraçado!” – uma voz grossa, gritaria total. “Que porra é essa!” – pensei comigo. Olhei pra trás e vi um ogro ou uma ogra... sei lá... vindo em nossa direção. Então a ficha caiu. Fui falar com Larroy. Quando olhei pra ele, não estava na cadeira. “Cadê o cara!” – pensei. Olhei pra chão e Larroy estava tendo uma convulsão!

A baleia assassina parou em frente ao meu amigo: “vou matar esse desgraçado” – “calma, calma... ele está tendo uma convulsão!”.

Peguei o fone e liguei pro SAMU (192). “Estou no bar ‘Calibre’, sabe onde é?” – “Sabemos” – “Então... tem um cara aqui tendo uma convulsão, está quase morrendo, vem rápido, pelo amor de deus!”. Desliguei e olhei pro Larroy, estava sem os óculos e vi um olho aberto! A hora que ele percebeu que eu vi, fechou o olho rapidamente, mas fez um movimento brusco e a ogra percebeu!

“Ele está fingindo! Filha da puta!” – e picou um bicudo nas costelas do Larroy. Ele levantou e saiu pulando cadeiras, mesas e tudo que tinha pela frente. O bar todo dando risada. A mulher atrás dele.

...

Olhei pro cara do balcão e perguntei: “que porra é essa?” – “o seu amigo tá devendo pra Jacira” – “quem?” – “Jacira... ela é a dona do puteiro que tem aqui em cima” – “puta merda, é pra acabar mesmo. E logo o Larroy!”.

Não sei o que aconteceu lá fora, mas percebi que o cara do balcão apontou pra mim, como se fosse um aviso. A hora que eu olhei...

...

Acordei no hospital. Tomei porrada pra caralho, acho que foi da tal da Jacira. Estava com dor pelo corpo todo. “Filha da puta do Larroy. Tomei porrada por causa dele” – pensei. Logo depois daquele papo todo, conversa do meio ambiente e tudo mais.

Bom... vou tirar essa história a limpo. Descobrir tudo sobre esse ‘Earth Overshoot Day’. Depois verei se acabo ou não com Larroy. “São as coisas pequenas que fazem a diferença né? Sei! Tá bom! Um pouco de cada vez, não é Larroy?” – “pois não? Está falando comigo?” – disse a enfermeira, que não vi chegar. “Não, não! Desculpe, estava pensando alto!” – “normal! A noite deve ter sido estranha pra você né?” – “como assim?” – “parece que o registro do SAMU foi feito por você. Você ligou do seu celular pra buscarem você? Falou de convulsão! Mas está todo quebrado? Sei que não é da minha conta, mas que ficou estranho isso, ficou!”.

“Cadê minha carteira? Meus documentos? Meu dinheiro?” – “você chegou só com o celular, por isso sabemos do telefone!”. A enfermeira parecia tirar sarro da minha cara, mas eu não tinha como explicar pra ela o que aconteceu. Simplesmente fechei os olhos e disse que estava cansado!

“Chamei o SAMU pra mim... essa é boa mesmo!” – fechei os olhos e imaginei o fim do mundo.