“O
macaquinho estava em cima do seu tradicional galho, numa bela árvore em frente
ao riozinho que dava de beber a todos os bichos da floresta. Então surge uma
lagartixa e vai até o macaquinho no galho. Ela pergunta: (...)”.
...
Ladislau
coloca a mão na cabeça e se interroga: “mas que droga, eu só sei escrever sobre
essa maldita história do macaquinho?”.
Aí levanta
a mão e solicita o professor que ministra uma oficina literária.
O
professor deixa seu café na mesa, levanta da cadeira e vai até seu único aluno.
“Pois
não?” – “Cara... você pediu pra eu começar uma história sobre qualquer assunto,
mas tá difícil de colocar no papel!” – “Como assim? Qual a dificuldade” – “Não
penso em nada!? Não sei nada!?” – “Mas parece que você escreveu umas linhas
ali. Sobre o que escreveu?”. Então Ladislau olha pra folha de papel em que fez
uns poucos rabiscos.
Com
a folha em mãos, o aluno meio sem graça explica o que escreveu ao professor.
“Cara... não vem nada na cabeça... aí pensei numa coisa meio nada a ver!” – “É
mesmo? E o que é que você escreveu?” – “Ah... é uma piada...” – “Piada? Bom...
então escreve essa piada para eu ler!” – “Mas aí é que está a questão. Essa
piada eu já sei de trás pra frente de frente pra trás... pra mim não tem mais
graça. E tem outra... não é uma criação... eu já sabia dela... queria escrever
algo inédito... sei lá... o problema é que não vem nada em mente agora”.
O
professor vai até sua mesa e pega seu copo de café. “Quer café também?” –
“Quero”. O instrutor volta com dois copos de café, deixa um com Ladislau, puxa
uma cadeira e senta. “Então... podemos pensar em algo para você começar a
escrever!” – “É... mas sobre o que?” – “Sei lá... o que você fez ontem?” –
“Hum... é... além de trabalhar, como faço sempre, assistido o jogo” – “Que
jogo?” – “O jogo do coxa” – “Ah... Coritiba e Palmeiras?” – “Isso” – “É... e o
que é que tem o jogo?” – “É que na verdade é estranho... porque sou atleticano,
aí acho estranho ter que torcer pra outro time, no caso o Palmeiras – que
também odeio por sinal – só porque o meu tá uma merda” – “Sei...” – “Aí já viu
né... faço isso só pra ver o coxa perder... sabe como é... coisa de torcedor” –
“Entendi”.
O
professor dá um gole no seu café e diz: “você pode escrever sobre isso, uma
crônica sobre o jogo de futebol. Existem várias possibilidades. Você pode
escrever algo que tem ligação com o jogo, mas que aconteceu no seu dia a dia.
Algo que foi inusitado sobre isso. Ou não, pode escrever sobre algo banal. Algo
que aconteceu contigo e que pode acontecer com qualquer outra pessoa. São
infinitas possibilidades! Pode descrever as jogadas e criar personagens...
enfim... você pode escrever sobre o que quiser!”. “É... entendi... sabe que
agora você me fez lembrar algo que aconteceu comigo hoje cedo. Foi uma coisa
meio estranha. Não sei se posso escrever sobre isso” – “É algo muito estranho?
Que você não queira contar?” – “É uma coisa meio desagradável, mas que ri
muito!” – “Olha, isso é uma coisa legal para se escrever... algo que te causou
alguma sensação!” – “Ah... não sei não... pode até ser... mas é que... bom... é
que foi assim...”.
...
“Cara...
hoje eu acordei contente né... o coxa perdeu ontem, foi engraçado. Aliás... pra
toda nação atleticana, já que duas vezes vice em casa, no mesmo campeonato, é
bem engraçado. Porém a vida segue... a vida continua...
Então,
como estou procurando outro apartamento pra morar, tinha umas visitas pra fazer
hoje cedo. Aí passei na imobiliária e peguei as chaves de dois apartamentos. Um
no Portão e outro no Alto da Glória; esse deixei por último, pois é mais perto
da imobiliária e do meu trabalho, questão de logística .
Bom...
o primeiro não gostei e o segundo já não estava muito interessado, pela
localização, porém fui lá ver, pra desencargo de consciência. Sabe como é... um
apartamento perto do Couto Pereira, não sei se gostaria de morar...
Cheguei
em frente ao prédio e comecei a passar mal. Não pelo bairro... mas sabe como é
quando dá uma cólica na barriga? Sabe quando parece que tudo tá mexendo? Uns
roncos estranhos... pô... comecei a suar frio... muito estranho... provavelmente
eu comi algo no café que não me fez bem.
Depois
de errar várias chaves da porta principal, consegui abrir. Não tinha porteiro,
um prédio um pouco mais antigo, o número do apartamento: 303. O prédio tinha
quatro andares, ou seja, não precisava de elevador; e não tinha.
Tive
que me concentrar muito pra conseguir chegar ao apartamento. A situação não
estava fácil, sério mesmo... mas
consegui chegar.
Errei
umas chaves na porta, porém, bem devagar e controlando a respiração, consegui
evitar o pior. Bom... abri o apartamento e corri pro banheiro. Minha sorte é
que foi seguir o corredor e já era a primeira porta. Abri e fui direto relaxar.
Ai
ai... lembro até agora daquela cagada. Foi demais!
...
O
professor só respirava e tomava seu café.
...
Bom...
já recuperado, olhei ao meu redor e nada de papel. Lógico! O apartamento estava
pra alugar, porque teria papel higiênico, não tinha nenhuma mobília, nada!
Fiquei
sem saber o que fazer. Olhei pras minhas meias. Achei melhor não usá-las, iria
ficar de sapato e sem meia. Eu já não gosto de sapato e sem meia seria muito
difícil pra mim. Então não teve jeito, apelei pra cueca.
Fiz
o que tinha que fazer. Depois tive que deixar ela toda dobradinha.
Sabe
que ela serviu muito bem pra situação, por sinal.
E
mais um problema! Não tinha lixo, teria que sair do AP com a cueca na mão!
Quando puxei a descarga, também não tinha água. Mas aí foi só ‘ligar’ o
registro que funcionou na boa.
Não
dava pra deixa a cueca lá. Imagine só... outra pessoa visita o apartamento e
tem uma cueca cagada jogado em algum canto? Isso é coisa de coxa branca... não
de atleticano fazer... não dá!
Saí
com a cueca, fazer o que?
Já
na calçada, completamente aliviado, fui em direção ao meu carro, ao lado tinha
um daqueles caixões de ferro pra entulho... sabe qual é né? Mas então... ia
jogar lá a cueca...
...
“E
não jogou?” – irônico e curioso o professor se pronunciou pela primeira vez.
...
Então...
cara... puts... olha só a pira...
Eu
tive uma luz! Sem mais nem menos... nem sei porque eu olhei pra continuação da
rua, foi meio sem pensar... e o que eu avisto? O que? O que? O Couto Pereira!
Cara...
não sei o que me deu... já comecei a rir antes de entrar no carro.
Então
fui em direção ao chiqueirão. Liguei um som... lembro até da música... “Countryman Fiddle” do
Aggrolites . Cara é um som muito alto astral. Fui na boa, sorrindo, só
aguardando chegar em frente ao estádio do coxa.
Olhei
pra tudo aquilo, os resquícios do ‘queen hell’, a ressaca de mais uma derrota, mais
uma na final da Copa do Brasil! Cara... não aguentei... simplesmente desci o vidro da porta, reduzi a
velocidade, peguei minha cueca, desdobrei-a e fiz um lindo lançamento.
Cara...
foi lindo! Observei-a voar lentamente, se abrir e flutuar, com minha marca,
minha razão social... se é que você me entende.
Então...
isso levou alguns segundos! E lá estava minha cuequinha na calçada do Couto.
Acelerei
meu carro e, confesso, tive alguns segundos de ataque de riso. Sabe o que é
isso? Olha... não dei risada apenas pelo fato do time coxa branca ter tomado no
cu novamente, mas rachei o bico de toda a situação.
Foi
muito engraçado pra minha cabeça. Nunca tinha acontecido isso comigo.
De
calafrios e cólicas... eu quase caguei nas calças bicho... até lançar minha
cueca cagada no Couto Pereira.
Pô...
isso é legal né professor? Se acha que consigo escrever algo disso aí?”.
...
O
professor já tinha acabado seu café. Respirou um pouco sem saber o que dizer,
já que seu aluno estava reluzente com o que havia acabado de contar.
Então
disse: “escreva isso” – “Sério?” – “Claro, por que não?” – “Não sei... achei
que teria que fazer algo mais elaborado... sei lá!” – “Tudo é uma questão de
interpretação, você não precisa se preocupar se o que escreve é elaborado ou
não, o importante nesta aula é que você escreva algo sincero. Entende?” – “É...
isso foi bem sincero!” – “Então manda bala. Manda para o papel que eu quero ver
o resultado. Ok?” – “Ok”.
...
Ladislau
estava de cabeça baixa, concentrado, escrevia freneticamente, com prazer,
queria destruir o papel, parecia sair fumaça da sua cabeça.
O
professor observava seu único aluno em sala. Olhou pra sua planilha de controle
de aula e anotações gerais. Abriu seu estojo de canetas, pegou uma com símbolo
do Coritiba, seu time do coração.
Então
anotou:
“Mais
uma oficina literária! Dessa vez finalmente tenho um aluno! E meu único aluno é
atleticano... um atleticano chamado Ladislau... Ladislau, um escritor de merda”.