quinta-feira, 23 de abril de 2009

As portas também se abrem pra morte

Passam-se dias e lá está mais um bêbado perdido por aí. Um cigarro atrás do outro e as coisas parecem jamais clarear. Faz parte do cotidiano, é quando as coisas estão cada dia mais vazias e ele já percebeu. Talvez por isso a busca pela autodestruição.

Esgotado mais um copo. Pega seu violão e toca uma música de esperança! “Ela soa tão triste nos dias de hoje”, pensa consigo. Apesar disso manda mais acordes, os poucos que sabe. O que se espalha pelo vento não é nada belo, nem técnico. “Ainda bem”, pensa novamente.

As coisas foram feitas pra serem compartilhadas, era o que pensava. “Hoje o simples parece tão difícil de entender! Complicam tudo e eu só quero ficar na minha”, fala isso como se fosse uma canção, mas já está sem seu violão. Apenas levanta e vai caminhar por aí.

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Já na casa de alguns amigos, chega atrasado. Todos estão no embalo das cervejas e ele também já bebeu, porém sozinho. A galera solta o verbo e está com o papo afiado. Ele na sua solidão, simplesmente ouve e tenta esquecer que está abalado com essa vida.

Somente observa, porque está à flor da pele. E quando estão em galera, o papo é tiro pra todo lado, bala perdida em meio a multidão. Sem retorno. Soltou na massa e já é o suficiente pra que as coisas tomem rumos estranhos. Felizmente neste caso ele está fora de perigo, só pensa em suas canções de liberdade, que hoje são bregas entre seus amigos. Isso realmente é o que deixa o bêbado puto.

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Uma mesa redonda. Copos vazios e um babaca que fala sem parar. Um monte de bosta sai da sua boca, parece uma matraca de merda fedida, depois de uma cervejada de Skol. O zé ruela, que não estava mais bebendo cerveja, derruba seu gole, sua mistura de pinga com Sprite, no chão, mas nem vai limpar. “Que playboy filha da puta, disfarçado de maluco, merece umas porrada esse pilantra safado”... já pensa como qualquer um...

O chato parte com sua turma, os outros são gente fina. Eles entram no carro. O babaca não! Dá uns passos a frente... e quando menos esperam... o vizinho da casa em que estavam sai puto da cara... xingando o babaca. “Seu filho da puta, vou meter a mão na sua cara seu merda”... aquele imundo tinha mijado em frente a casa do cara, bem na hora em que os filhos dele brincavam. Eles saíram fora... “esse filha da puta merecia uma porrada”... primeira coisa dita pelo bêbado solitário até então...

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Aquele ocorrido o deixou extremamente puto da cara. Tudo bem, pois estava entre amigos. Suas músicas de liberdade ainda davam algum alento no seu imaginário secreto, nada de expor, somente ele e sua famigerada consciência.

Essa mesmo! Que já não apita mais com tanta frequencia em sua cabeça. Ele faz de tudo... nada consta... está sombrio...

Agora bebe com uma gana que só vendo. Alto astral do momento faz esquecer o verme que acabara de fazer uma merda, ou melhor, uma mijada, em frente à casa dos vizinhos dos seus amigos.

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E a luz se apaga novamente. Chega na casa mais um grande amigo. Ele estava com o músculo entre o braço direito e uma artéria machucado. “Uma amiga disse... ´aí... podia ter sido pior né`... porra cara... se fosse pior eu teria morrido... pegava na artéria e eu morria”, explicava o ocorrido aquele que recém chegara.

Mas além da situação estar foda pro nosso amigo, o pior foi como tudo isso aconteceu. Imagine um cara a andar de bicicleta tranquilamente por aí, numa rua sem ciclovia, sem porra nenhuma, e quase morrer? Atropelado? Não! Uma madame abre a porra da porta do carro bem na hora que o cara passava. A ponta da porta pega na região que poderia ter matado o ciclista ou tirado o movimento do braço direito. Tudo porque uma madame provavelmente foi pegar a bolsa de marca e olhar no espelho a maquiagem, depois abre a porta bruscamente sem olhar se alguém vinha.

Uma coisa bizarra não é? Porém a morte está por aí. Já não se sabe a forma como ela vem. Bala perdida? Atropelamento? Assassinato? Uma porta aberta? As coisas estão estranhas e as canções de liberdade cada dia mais esquecidas. Não há mais o que fazer.

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Já está revoltado demais pra se preocupar. “Aí... vou nessa, falou!”... e lá vai o maluco embora. Quer apenas chegar em casa e tocar mais uma de suas canções.

No caminho... lembra do filha da puta que mijou no vizinho, lembra que desejou ver ele apanhar.

Também lembrou a madame que depois do que fez, mentiu no B.O. da polícia. Disse que o ciclista estava muito rápido! A vadia ainda tentou jogar a culpa num inocente.

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Seus pensamentos agora são lançados ao vento:

“Está tudo sombrio, as pessoas abaladas e querendo buscar algo que não sabem o que é... buscar o que? Já trouxeram tudo, está tudo por aí!”.

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Chega em casa com a visão embaçada, vai pra cama. Agora é isso que ele quer... dormir e esquecer... não está em condições de tocar uma de suas canções...

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Mas seus pensamentos são lançados ao vento pela última vez:

“Se fosse escolher uma canção pra tocar agora ela se chamaria ACORDA”.