Otávio Olavo sai da clínica depois de nove meses. Ansioso,
agora aguarda a chegada do seu primo.
Ficou um bom tempo drogado num hospital psiquiátrico.
Desligado do mundo. O fizeram esquecer seus traumas. A ineficácia disso só não
é percebida momentaneamente pelo medicado.
Já no carro, Otávio tem seu primeiro choque:
- Que porra é essa? – grita ao ver um outdoor na beira da
estrada na entrada de Curitiba entre anúncios de motéis. Estavam nas
proximidades do bairro Santa Felicidade.
O primo de Otávio prestava mais atenção na estrada e no som
que rolava no carro, mas foi subitamente interrompido.
Quando viu Otávio desesperado, o homem tirou sua mão direita
do volante, esticou o braço e deu um pause no som.
- Otávio, esse é o Chip´s of Love ué!
- O que? Mas que porra é essa? – gritou novamente.
Então o primo disse:
“Olha só... imagine o seguinte: as empresas Tim, Vivo, Oi e
Claro se juntam. Ok?” – Otávio faz positivo com a cabeça. “Essa junção é
resultado de uma campanha integrada. Um laço pra operar apenas um produto. O
nome do produto chama-se Chip´s of Love” – Otávio coloca os dedos na boca e
rói. “Esse dispositivo permite a comunicação por mensagem entre aparelhos
celulares. É um aplicativo em que todos que usam o código LOVE podem se
comunicar entre si. O serviço não é gratuito. Inclui banda larga também. O
diferencial é que este pacote é basicamente sexual. A finalidade é promover o
sexo. Sacou?”.
Otávio treme.
- Você está bem cara?
- Estou... por favor. Por favorrrrr – com os dentes rangendo
– continue...
“Bom... olha lá ein... você está bem mesmo?” – um sinal de
positivo bastou. “Como eu já disse, a finalidade dessa parada aí é promover o
sexo... e lógico... as operadoras estão mais bilionárias do que nunca! Essa
campanha começou no Brasil, parece que a ideia é brasileira, mas já ganhou o
mundo. Além disso, dizem... isso eu não sei se é verdade, mas dizem por aí que
o índice de violência diminuiu e as pessoa transam mais. Basicamente é isso”.
- Porra! – disse baixinho Otávio ao olhar pro horizonte.
...
“Existem sensações e sensações. Algumas nos mostram como
somos frágeis. Porém, a sensação de ser usado, de ser passado pra trás, de ser
roubado; essa sensação é impagável. E neste caso, a única esperança – que surge
através de uma sensação – é a vingança” – Otávio solta essas palavras ao vento.
Nunca o vi com tanta lucidez.
- Qual o sentido da vingança pra você Otávio?
- Hoje... é ela que me faz levantar, vir até aqui. É ela que
me leva pra casa. É ele que me faz sonhar. A vingança me mantém vivo.
...
Otávio chega ao bar. Seus passos não são lineares. Está
desgastado. Lembranças, fantasmas, traumas... eis que tudo vem a tona. Já não
está centrado como antes. O prazer o levou do céu ao inferno em pouco tempo.
- Por favor... whisky.
- Acabou o Buchanan´s.
- Pode ser qualquer um...
Otávio tinha suas manias. Quando queria comer em boteco ia
ao Pudim. Quando queria beber com os amigos, ia ao boteco do Seu Laércio,
próximo a sua casa.
Muitas vezes os companheiros de trabalho o acompanhavam.
Todos gostavam de ouvir as histórias de sexo que Otávio Olavo contava. Era,
muitas vezes, o motivo pro bar do Seu Laércio permanecer aberto madrugada a
fora.
...
Otávio se contorce no banco do carro do seu primo, faz
caretas e desfere palavrões ao vento do ar condicionado do automóvel. Mas não
eram só palavras de baixo calão, tinham os acompanhamentos. Era tapa no painel
do carro e soco no para brisa.
Então o primo de Otávio para o carro e fala nervoso:
- Olha aqui seu filha da puta, seu corno de merda – Otávio
arregala os olhos e se assusta! O primo segue: cuidado com a porra do meu
carro. Presta bem atenção... pra mim é bem fácil... é só eu dar meia volta e
largar você naquela merda de prisão psiquiátrica novamente. É isso que você quer
que eu faça? É isso? Olha aqui seu filha da puta... vou falar mais uma vez pra
ver se você sacou a porra toda. Você quer que eu te deixe na merda do hospício
novamente?
- Não não... calma cara... calma. Não precisa ficar tão
nervoso assim. Desse jeito você está parecendo eu!
- Cara... não brinca comigo... faz dez minutos que você tá
comigo e isso já é o suficiente pra você levar uma porrada.
- Calma cara... não precisa ficar tão nervoso assim! – grita
nervoso Otávio.
- Só eu né? Só eu que to nervoso né? Você tá bem calmo dando
porrada no meu carro né? Filha da puta...
- Porra... caralho... tá foda ein... cadê aqueles baseados
que você fuma?
- Cara... você acabou de sair da merda de um hospício e vem
falar em baseado... vai tomá no seu cu cara... vou te levar pro hospício de
novo...
- Ei ei... não ligue o carro ainda... calma... calma...
Otávio consegue impedir que seu primo ligue o carro. Então
pega a pequena bolsa que estava nos seus pés. Abre um zíper e puxa pra fora
dela uma sacola de mercado. Ela está cheia de comprimidos.
- Que porra é essa? – grita o primo muito puto.
- Calma cara... calma... isso aqui é calmante...
- O que?
- É! Nós, internos, ganhamos de presente... sabe como é...
lá dentro fazemos amizades né! E como eu saí de lá... ganhei uns presentinhos
dos meus amigos. Esse remedinho me mantém calmo!
Então Otávio pega três e manda pra dentro.
- Meu deus... você é o mais maluco de todos! De todos os
tempos!
- Calma cara... pega um pra ti de presente... toma aí...
você precisa se acalmar.
- Isso é calmante mesmo?
- É... chamam de antidepressivo!
- Mas calmante e antidepressivo é a mesma coisa?
- Sei lá cara...
- Porra... então da mais dois aí...
- O que?
- Ué... se você tomou três eu também quero tomar três.
- Mas to acostumado porra... tomo essa merda todo dia...
- Porra... me dá mais dois... você acha que preciso ir pra
um hospício pra tomar drogas?
Me passa logo mais dois aí... ah... e outra coisa
cara... já vou te avisar agora... lá em casa não vai ter folga pra ti não
ein... o pessoal tá chegando na cidade pra ter ver... vem todo mundo.
Os parentes se acalmam, eles seguem até a nova moradia de
Otávio: a casa do seu primo.