terça-feira, 22 de novembro de 2011

(Olho de Gato) Capitulo Final - As cortinas se fecham

Caminho na escuridão e logo vejo um ponto luminoso. Chego perto e lá está um buraco de fechadura. Ele é um pouco mais baixo que minha altura, flutua e parece mostrar outro mundo! Paro em frente e vejo um filme. São pessoas mortas, seus cadáveres estão protegidos e o coveiro usa uma roupa de astronauta. 


Logo, como se mudasse o canal de TV, esta espécie de ‘portal’ muda de capítulo. Aí levo um susto, pois avisto Olho de Gato! O reconheço na hora, mas desta vez numa rua. Ele caminha, para numa esquina. O semáforo se fecha pra pedestres. Parece um reality show.

A imagem foca o outro lado da rua, um bar com a fachada escrita “El Bigodon”. Associo este nome ao atual disfarce de Olho de Gato, pois ele está uns 15 kg mais gordo do que quando me matou, usa um bigode grande, parece um mariachi. Olhos esbugalhados como sempre, monoselhas e um chapéu mexicano tamanho médio.

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BAR EL BIGODON

As coisas são difíceis pra um comerciante “mexicano” em tempos de gripe suína, mas o bar normalmente tem alguns fregueses. El Bigodon, ou melhor, Olho de Gato, conversa com seus poucos clientes, diz ter parentes no México e que alguns já morreram da famosa gripe. Mesmo assim ele mantém uma “estória” de que este vírus veio da África, pois lá tem até anúncio pra ser cobaia da indústria farmacêutica.

- Essa gripe difamou meu país, mais sei que ela não passa de mais um experimento que fugiu do controle dos patrões farmacológicos – diz Olho de Gato.

Segundo esse desgraçado, houve uma mutação genética num indivíduo que aparentemente estava bem, mas acabou morrendo e espalhando o vírus inicialmente no México. “Porém agora essa epidemia é omitida pela mídia”, diz Olho de Gato, com seus olhos esbugalhados e ar apocalíptico.  

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A imagem que me vem mostra Olho de Gato em tempo real, ele fala pra alguns bêbados sentados em frente ao seu balcão:

- Tudo isso começou quando um africano chamado Joe Joe Jabadu Junior (este é um nome comum na Angola) estava desesperado pra conseguir um emprego. Não tinha mais saída, achava que iria morrer numa sarjeta. O que vocês precisam entender é que na África, muitos não têm saída e aceitam qualquer emprego. Então o jovem africano recebeu uma proposta de um homem branco que aparentemente queria ajudá-lo (dizia ser dono de uma indústria de máscaras hospitalares e de antibióticos). Porém sua principal atividade era controlar uma fábrica de armamento biológico clandestina.
- Mas será que isso pode ter acontecido mesmo? – questiona um dos fregueses.
- Claro que sim! Se você não tivesse mais saída nessa vida... o que faria? Joe Joe simplesmente aceitou a proposta do cientista. Fez a experiência, ganhou uns trocados e foi viajar. Seu sonho era visitar Cancun, pois viu belas fotos de mulheres gostosas, muita bebida e diversão. Estava atrás da felicidade, mesmo que por um curto espaço de tempo!
- Pode até ser - diz outro freguês.

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Fico meio confuso. Vejo Olho de Gato de El Bigodon, ele mente dissimuladamente. Será que mentiu pra mim o tempo todo? Ele está usando Joe Joe pra outra finalidade agora? Antes ele era um terrorista! Agora é cobaia. Será que enquanto ele mentia pra mim, havia outro aqui vendo tudo acontecer?

Não há como detê-lo. Ele me usou e usa outro agora. Não consigo matá-lo!

A fechadura entra nas instalações do bar. Consigo visualizar seu quarto, ele parece dormir no bar. Lá está aquela bolsa cheia de armas biológicas. O desgraçado usa a gripe suína agora, para argumentar sobre suas armas.

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- Mas você está dizendo que esse africano aí trouxe a gripe suína? Como? – questionou um freguês.
- Quando Joe Joe chegou ao México, foi direto pra noite. Queria gastar sua pouca grana por lá, curtir, se divertir. Então tomou um porre de tequila numa dessas noitadas. No outro dia, sua resistência baixou, sofreu uma mutação devido a tanta química no corpo misturada ao excesso de tequila. Isso causou uma espécie de gripe nele. Porém não o impediu de continuar suas férias, tendo contato com diversas pessoas nos hotéis por onde ficou, bordéis em que frequentou, pessoas que se relacionou. O desgraçado espalhou este problema lá na minha terra. As pessoas tiveram uma virose desconhecida e morreram. Essas foram às primeiras mortes do que chamaram de gripe suína. Ele morreu e todos que tiveram contato também. Ainda assim, o jovem africano revelou quando estava quase morrendo, no hospital, que havia sido cobaia. Algumas pessoas ouviram e espalharam a conversa. Pouca gente acredita. Eu sou uma delas!

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Olhava o desgraçado mentir e queria matá-lo. Mas não posso fazer mais nada. Ele acabou comigo, agora está lá. Observo seus atos e vejo que ele mata uma mosca com a toalha que está em cima do seu ombro. Após o golpe, solta um veneno por aerosol – nesse momento todos no bar estão com seus dias contados.

- Essas malditas moscas que ficam por aqui, lá no México não existe isso! – disse ele após matar o inseto.

Seus clientes gostam do bar. E após horas de bebedeira o último freguês sai. El Bigodon fica sozinho. Vai até a mosca que havia ‘matado’, recolhe sua arma de guerra... sim! Igual a aranha e aos besouros que me mostrara algum tempo atrás. O desgraçado usa seu arsenal pra acabar com o mundo aos poucos.

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Isso quer dizer que a morte está presente nas redondezas do bar “El Bigodon”. Aqueles fregueses contaminados certamente não voltaram ao bar, porém outros virão. As pessoas morrem e eu só posso observar o desgraçado em seu bar.
Ele fecha as ‘cortinas’ do estabelecimento, toma mais uma dose de tequila e apaga seu cigarro. Então vai até seu quarto, tira a mochila com todo seu arsenal e vai até o banheiro. O sigo em meu reality show.

Olho de Gato abre a mochila. Tira uma seringa, arma o pico e manda na veia. Com a cabeça abaixada, a seringa ainda balança no seu braço, ele acaba de injetar seu antivírus. Está imune a todos os germes espalhados pelo ar. Agora ergue sua cabeça, sentado na privada, olha pra porta do seu banheiro. A minha imagem foca os dizeres: “somos a morte anunciada”.

Quando volta o foco pra Olho de Gato, ele apenas consente com a cabeça e sorri pra mim.