quinta-feira, 5 de maio de 2011

Das Neves e Seu Romóps

“Porra... aonde Das Neves se meteu! Caralho... que merda!” – são mais de seis da tarde e Seu Romóps coça o bigode em sinal de preocupação. Suas sobrancelhas grossas quase ‘monocelha’ lhe dão um ar de seriedade. Está próximo da calvície e seu rosto reflete a marca da idade.

Das Neves está atrasado. Ele e Seu Romóps fizeram um cronograma e até agora nenhum sinal do caminhoneiro. Remóps é quem coordena a distribuição de cocaína no Parolin, usa seu bar pra encontros esporádicos.

Seu motorista sempre vai à Foz do Iguaçu pra fazer conexão e trazer droga. Das Neves nunca atrasa. A não ser desta vez.

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Das Neves é membro da quadrilha do Seu Romóps. Ele é quem transporta às mercadorias. Quando chega a Curitiba, tem um olheiro – Beans – que já avisa o pessoal. Depois eles se encontram na casa do Careca, que faz a venda, junto com Formiga e Alemão.

Todos vivem exclusivamente do tráfico.

Porém Das Neves gera desconfiança atualmente devido ao vício na farinha. Perdeu sua mulher e não pode ver seus filhos. Também foi expulso da sua quitinete e normalmente dorme – quando dorme – nos fundos do bar.

Seu Romóps comanda essa quadrilha. Dificilmente há problemas na sua área, pois sua equipe desenvolve uma política da boa vizinhança, o que gera simpatia entre os moradores.

O único problema é Das Neves. Mesmo ele sendo um cara carismático, sempre fala demais, assusta alguns clientes do boteco, além de estar com frequência na ressaca, deprimido e prestes a tornar-se um zumbi. A cada viagem há uma tensão em relação ao retorno.

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Beans, Alemão, Formiga e Careca ligam pra Seu Romóps toda hora.

- E aí, cadê aquele filho da puta porra? Tem gente esperando... tem cliente incomodando caralho!
- Qual é Beans... relaxa. Quero ver o que Das Neves tem pra dizer.
- Pode crer... mas tarde eu vô aí. Vô chama todo mundo e vamos aí esperar ele.

Desligou.

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Romóps sabe que esse tipo de vacilo não é tolerável. Seu esquema é forte e Das Naves não tem como cair com a polícia. Então imagina que seu motorista o sacaneia.

Desconfia que Das Neves nunca mais vai voltar. Não é nada absurdo se um sujeito doido igual o caminhoneiro tentar roubar a carga. Tem o fator acidente também.

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É dia de balanço no bar do Seu Romóps. Neste dia não há fregueses.

Em frente ao boteco tem uma praça com quadra esportiva, parquinho de diversão, área pra sentar entre as árvores. Um lugar aparentemente tranquilo.

Por volta das nove da noite Romóps vai até a porta do bar. Olha o horizonte e coça o bigode. Pensamento longe... e é assim que passa a ouvir uma música, o som aumenta a medida que surge um ronco de motor.

Então aparece um caminhão desbotado. Uma Scania 113 das antigas. Só o cavalinho em alta velocidade e arrojo nas curvas.

Chega Das Neves com AC/DC a todo volume. Para em frente ao bar – ‘Higway to hell’ explode em frente ao bar do Seu Romóps.

A expressão de ódio no rosto do patrão de Das Neves fez com que esse desligasse o rádio na hora.

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Das Neves sai do caminhão e corre em direção a Seu Romóps como se fosse uma criança que encontra sua mãe:

- Meu Patrão você viu quem caiu meu patrão você viu quem caiu? Não pode ser verdade não pode ser verdade o Osama é meu ídolo o Osama é tudo pra mim meu patrão porra que aconteceu como ele deixou os americanos acharem ele... vixi... que negócio tenso... caralho... meu Patrão ainda bem que está tudo calmo por aqui né... você viu que o bicho tá pegando em toda parte polícia na cola meu caminhão tá uma merda e eu não sei o que vo faze não sei se ele dura a próxima ida à Foz mermão apesar que ele está uma belezura você não acha? Você viu o jeito que eu entrei naquela curva ali isso é coisa de quem é boleia Patrão e um AC/DC é foda pra caralho puta merda AC/DC é do caralho AC/DC é minha homenagem ao meu ídolo – fez uma incrível pausa; depois emendou – Viva Osama Bin Laden! – gritou a plenos pulmões.
Então Seu Romóps ergueu o dedo indicador e colocou no meio da boca de Das Neves.
- Cala essa maldita boca. Vamos entrar pro bar. Daqui a pouco chega à rapaziada aqui.

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- E então Das Neves, que porra de atraso é esse?
- Que atraso Patrão?
- Porra seu filho de uma puta, são passados das nove da noite e você vem me perguntar que atraso?
- Não pode ser Patrão... nove da noite? – Das Neves está fora de si... sem noção do tempo. Vai de um lado pro outro. Pede licença e vai ao banheiro.

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Seu Romóps se morde por dentro. Não sabe o que fazer. Ele é o único que não pode ter dúvidas numa situação assim. Se vacilar perde o respeito dos outros parceiros.

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Das Neves tira o espelho do banheiro masculino e estica quatro lagartas de farinha no seu reflexo. Tem todo um ritual pra acabar com suas fileiras químicas.

Está na terceira carreira e Seu Romóps ainda não sabe o que fazer!

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Das Neves corre do banheiro até o balcão emotivo.

- Osama morreu? É mentira... ele não pode ter morrido ele vai virar um fantasma agora vai atazanar a vida de todo mundo.
Após falar ‘fantasma’ Das Neves mudou a expressão do seu rosto. Sua cara ficou assustada sem motivo aparente.
- Olha isso! – Das Neves olhou pro além... como se passasse um vulto sobre sua cabeça.
- Qual é Das Neves! Tá delirando porra?
- Eu vi o Osama eu vi o Osama porra ele passou voando por cima de mim foi em direção ao banheiro! – olhou com sua cara de maluco pra Romóps e correu pro banheiro sem parar de gritar “será que ele quer a quarta será que ele quer a quarta a quarta não Osama a quarta é minha...” – então apertou o passo.

Seu Romóps colocou a mão na cabeça. Botou uma dose de cachaça e mandou pra dentro.

- AHHHH! – um grito de horror veio do banheiro. Seu Romóps correu e lá estava Das Neves abraçado ao espelho. Olha pra cima e pros lados. Os olhos cheios de lágrimas.
- Que merda cara... levanta daí porra... daqui a pouco chega o pessoal e você está na merda!
- Ele queria pegar a quarta ele queria pegar minha quarta Patrão cheguei a tempo e acabei com isso Patrão o bagulho é doido é do bom o produto é foda é do caralho até o Osama tá querendo um pouco Patrão até o Osama tá querendo um pouco Patrão eu tenho que falar uma coisa pra você Patrão é uma coisa séria não posso deixar de falar...
- Vem... vem pra cá seu merda. Saí daí... o que você acha que está fazendo? – Seu Romóps colocou o espelho no lugar e saiu com Das Neves.
- Mas patrão eu preciso falar uma coisa pra você – nesse momento deram de cara com os outros quatro membros do grupo.

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- Meu Deus! – gritou Das Neves – AHHHHHHHHHH... AHHHHHHHHHHHHHHH... AHHHHHHHHHHHH

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Das Neves abriu o bico... começou a gritar igual uma gata no cio. Uma voz aguda. Como pode sair algo tão fino e horrível da garganta de um ser humano. O que acaba de acontecer é sobrenatural!
O caminhoneiro sai dos braços de Seu Romóps e volta pro banheiro. Fecha a porta e se tranca por lá.

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- Que porra é essa? Vou matar esse filha da puta – Beans foi em direção ao banheiro. Seu Romóps entrou no caminho.
- Ele não vai fugir dali... espera... é muito cedo pra dar tiro aqui dentro.
- Mas quem tá dando tiro é o Das Neves lá dentro do banheiro porra! – disse Careca que arrancou risos dos demais presentes.
- É Patrão... também quero ver se o produto é bom – disse Formiga com ciúmes de Das Neves.
- E então... vai deixar ele lá? – Alemão questiona Seu Romóps.
- Claro que não porra... mas ele tá doido. Viu o Osama Bin Laden porra! Espera ele se acalmar, depois vemos o que rola...
- Vemos? Eu quero matar ele... e quero matar ele agora!

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Das Neves senta ao lado da privada com o espelho em frente a seu rosto. Se olha e diz: “estou à distância exata da morte”.