Joseph e Mustafá saíram do carro em
direção ao Canal da Música. Acontecia a Feira do Vinil. Eles chegaram pouco falantes.
Mustafá estava com seus cabelos longos amarrados, tinha um pauzinho que cortava
o coque, maquiagem branca no rosto, contorno forte nos olhos, a boca
avermelhada, roupas orientais – um vestido longo preto com vermelho e um dragão
desenhado (uma espécie de gueixa-queen). Joseph estava normal: calça jeans e
camiseta.
Então Joseph viu uns vinis de Black
Music . “Chega aí véi!” – e foram em direção ao vendedor.
Parados na banca, ele diz: “Hum... o que
você acha que tem de bom aí cara?” – “Hum” – pensou Mustafá, olhou pra cima e
sacou rapidamente seu leque – “Por que você mesmo não vê?” – disse nervoso pra
Joseph.
O vendedor sem entender nada, apenas
olhou.
Joseph olhava os discos. Passava um por
um, lento. Então viu! – enquanto passava seus dedos nas capas dos vinis – “Baby
Huey!” – pensou discretamente.
O vendedor o observava. “Esse cara tá
muito doido!” – pensou.
- Quanto que tá esse disco aqui cara?
- Esse aí tá 30.
- Hum... e esse?
- Esse também.
- Só... e esse aqui?
- Esse aí tá vinte.
- Os que tão com a capa mais zuada fica
mais barato ou não?
- Mais barato...
- Só...
- O que você tá procurando cara?
- E esse aqui... – disse meio com cara
de malandrão pra disco do Baby Huey.
- Ah... entendi – disse sorrindo o
vendedor.
- Quanto?
- Quer dizer então que você tá querendo dar
uma de malandro? – e sorriu.
- Ué! Por quê?
- Essa parada aí de olhar um vinil e
fingir que não viu, aí tentar voltar depois nele pra ver se paga mais barato é
veia mermão...
- Ah... qualé...
- Não cara... mas susse... acho isso
legal cara... é meio que uma parada fechada... uma cultura fechada... eu
saco... é só uns e outros aí que tão ligado nesse negócio de observar e tentar
fazer um barateamento... né não?
- É... e então?
- Pega aí cara...
- Quanto?
- Pega aí véio...
- Como assim?
- É pra você pegar a porra do disco. Ele
tá te dando. Porra! Que burro! – disse Mustafá num surto. Quando percebeu o
exagero, deu uma risadinha tímida com o leque na cara.
- Sério?
- Aff... pega logo aí.
- Pô valeu.
Então Joseph pensou “tenho que comprar
algo aí, já que o cara me deu esse disco”.
“Viu, e aqueles discos na sacola ali do
lado?” – disse Joseph.
Nesse momento chegou o outro vendedor.
Um cara mais alto, magro e de bigode. Tinha um black power muito louco.
O outro vendedor tirou alguns discos.
“Tem algum do George Clinton?” – disse Joseph generalizando, pra encontrar algo
e retribuir o presente. “É uma troca
justa” – pensou. “Tem o ‘One Nation Under a Groove”. “Quanto?” – aí o vendedor
olhou pra seu colega.
- O que tá pegando? – disse o outro vendedor.
- Nada nada... – disse o vendedor 1.
- Nada cara... eu só estou querendo
comprar esse vinil – disse Joseph.
- Certo. E aí? – olhou nervoso pro
vendedor 1.
- Não véi... fica susse... o cara aí é
gente fina. Ele tá ligado naquele lance...
- Que lance – respondeu desconfiado o
outro vendedor.
- Ué cara... do lance do vinil, saca...
- Qual... aquele lance?
- Sim... o próprio...
- Pô... – e olhou pra Joseph e Mustafá –
legal!
- Mas e aí, comprou esse aí do Baby Huey?
– questionou.
- Sim...
- Esse disco é foda né?
- Claro que é. Ainda mais quando vem de
graça! – disse Mustafá, com cara de nem aí.
- Como assim?
- Não... não é bem assim véi... – ficou
na defensiva o vendedor 1.
- Não é bem assim o quê?. Você deu a
porra do vinil pra ele?
- Sim... mas pô... e aquele papo cultural
e não sei o que?
- Que cultura... que cultural ... que
porra é essa? Logo o do Baby Huey? Caralho mano...
- Pô véi...
- Tá mano... mas o do George Clinton tá 70
– disse o black power já com outro foco.
Joseph olhou os dois vendedores. “Porra,
que merda. Essa porra de disco tá todo zuado também... igual esse aqui...
clássico também... porra... esses discos normalmente são mais caros” – pensou.
Porém resolveu falar outra coisa pro vendedor que chegou depois:
- Porra cara... qualé... e a parada da
questão cultural. Porra... esse vinil aqui tem um valor... mas esse lance de
cultura não tem cara... não tem preço véi.
- É ué... – concordou o outro vendedor,
fulminado pelo olhar do seu amigo.
- Olha os cara! – disse Mustafá e olhou pros três que
estavam ali.
- O que? – disse Joseph.
- Pô cara... você é gente fina mesmo – e
saiu da defensiva.
- O que, o que tá pegando? – disse
Joseph meio desconfiado.
- Pega aí...
- O que? Se tá de brincadeira?
- Não... pega aí... pode pegar o vinil
ué...
- Sério... se tá me dando?
- Aff... – Mustafá faz vendo com seu
leque.
- Mas como? – questionou Joseph.
- Pô cara... na real é o
seguinte... você não é igual a todo
mundo... não é todo mundo que pensa igual você.
- É cara... – pega esse aí também –
disse o vendedor 1.
- Pode crer. Vamo aí – e saiu seco, frio
e rápido de perto da banca com os dois vinis na mão.
Os dois vendedores ficaram sem saber o
que fazer. Queriam conversar mais com os caras.
Falar sobre outros assuntos. Interagir. Mas Jopeph saiu rapidamente. Mustafá corria
meio destrambelhado ‘brigando’ com seu vestido, quase caindo.
...
A república que Mustafá mora é pequena.
Está sempre cheia de galera. Quando chegaram, ele foi direto pro banheiro.
Após alguns minutos. Ele saiu e foi em direção
à sala onde o pessoal sempre fica. Joseph já havia contado todo o ocorrido.
Mustafá sentou, abaixou a parte da máscara
que cobre a boca (estava vestido de ninja preto). E tacou fogo num cigar.
- Pô... mas vocês são uns marcão mesmo
ein? – disse um dos amigos dos dois.
- Ah... por que? – disse Mustafá ao
soltar a fumaça do primeiro trago.
- Ué... saíram desse jeito aí... os
caras chamando vocês pra trocar uma ideia e tals...
- Pois é... eles pareciam ser gente fina
e tals. O Joseph, doido... saiu do nada, correndo. .. quase estraguei meu
vestido.
- É cara... marcaram mesmo. Nada a ver
isso... sair desse jeito, bem mané ein Joseph – disse outro que estava na sala,
mas sentado em frente ao computador.
Aí ficaram uns minutos tirando sarro da
situação. Foi quando chegou outro amigo.
- O que vocês tão zuando aí? – disse pra
todo mundo de uma vez.
- Ah... o Joseph né... zézão pra
caralho... – disse um dos amigos.
- Ah... qualé cara? – Joseph já estava de
saco cheio.
- O que tá pegando aí doido? – disse o
amigo curioso que havia chegado.
- Nada cara... – disse Joseph.
- Esse cara aí... ganhou dois vinis duns
camarada aí... – disse outro amigo.
- Ué... mas tão zuando do que então? –
disse o curioso.
- É que os caras foram os mais
camaradas, aí do nada o Joseph saiu correndo da banca igual uma gazela
depravada – disse Mustafá, ao apagar seu cigarro no cinzeiro, baforar o último
trago e colocar sua máscara ninja novamente.
- Você não tá com calor nessa porra de fantasia
aí cara? – disse o curioso.
Mustafá apenas fez sinal de negativo com
a cabeça e cruzou os braços.
- Mas o que tá pegando na real porra? –
continuou o curioso.
- Nada cara... só estão me zuando porque
depois que ganhei os dois vinis, saí fora... só que os cara tavam querendo
puxar conversa. Eles não eram daqui, sei lá... estavam vendendo vinis lá.
- Vendendo vinil? – esbugalhou os olhos
o curioso.
- Sim – disse Joseph.
- Porra cara, acabei de sair da TV, tava
rolando uma notícia de dois ‘maníacos do vinil’. Os caras foram presos na Feira.
- Qual feira? Feira do Vinil, no Canal
da Música? – disse Joseph.
- Isso aí.
- Como assim cara? Estávamos lá faz uma
hora... sei lá... acho que por aí... – Joseph olhou pra Mustafá em busca de um
consentimento na questão do horário. O ninja apenas fez sinal de positivo com a
cabeça, sentado como se estivesse alerta, com os braços cruzados.
- É cara... mas saí da TV e vi uns papos
nos corredores lá. Parece que rolou uma tentativa de chacina lá por perto, sei lá...
- Olha só! – disse um dos amigos que
estava em frente ao computador.
- O que? – disse o curioso.
- “Maníacos na Feira” – dizia a
manchete. “Dois malucos atacam homem nos arredores do Canal da Música. A vítima,
mesmo com uma facada no bucho, conseguiu fugir e correu até a Feira do Vinil
pra pedir ajuda”.
- Caralho – disse um dos amigos.
- Olha só – e continuou lendo a matéria
– “os dois homens são fugitivos paulistas, tem seus delitos mapeados em
diversas regiões do país”. Olha o que o delegado diz: “prendemos uma dupla de
serial killers que atuava há bastante tempo. Vários estados estavam atrás
desses dois demônios”.
- Demônios? Que porra de jornal você
está lendo aí cara? – questionou o curioso.
- Olha aqui a fotos dos caras – e
mostrou pra galera na sala.
- Puta que pariu! – gritou Mustafá ao
saltar do sofá subitamente e parar estagnado em frente ao PC.
Um silêncio pairou na sala.
- São eles – disse Joseph ao olhas as
fotos. Mustafá o olhou e fez positivo com a cabeça, também reconhecendo-os.
- Caralho véi... seis quase morreram...
– disse um dos amigos.
- Pois é... – abaixou a cabeça Joseph.
- Porra... muito foda – disse o curioso.
- Muito... – disse Joseph.
Então ele olhou pro ninja parado em
frente ao PC.
- Aí Mustafá, você me deve um galo
ein...
Mustafá olhou pra ele e abriu os braços
não entendo a pergunta.
- Ué cara... 'cê' só vai 'vê' galo de
novo por minha causa ué... eu salvei a sua vida! Esqueceu? Porra... você me
deve... tá ligado né cara?
- To ligado porra! – disse Mustafá ao
tirar a máscara ninja e mostrar sua cara de nervoso.
- Vai te foder. Acabei de salvar tua vida.
Seu filha da puta. Agora vai correr atrás dos galo aí pra mim... você não é o
ninja? Não é o ninjão?
Então Mustafá colocou sua máscara, com
os olhos brilhando de raiva correu, abriu a porta e saiu rápido. Demorou meio
minuto, voltou puto e disse: “esqueci a merda do meu celular!”.
- Será que ele volta antes das seis da manhã? Antes do galo cantar? – disse o curioso.