CAPÍTULO V
Os bichinhos
começam a se divertir no corpo adocicado de Vincent, olho pra Louie e percebo onde
estou me metendo. Sua frieza me assusta.
...
- Então
querido, seguimos o plano?
- Sim...
podemos... principalmente se você explicar ‘o plano’ pra mim.
- Sua vaca!
– gritou Vincent, já praticamente tomado por insetos.
Ela finge
não ouvir. Eu também. Imagine você coberto de insetos e quando grita é recebido
com indiferença? Vincent já está pirado e fodido.
- Por que
não matamos logo ele? – questiono.
- Eu preciso
te explicar algumas coisas sobre tudo isso. Preciso de alguns minutos pra te dizer
algo... e preciso que preste atenção.
- Claro...
- Primeiro.
Você topa mudar de país?
- Como é que
é?
- Dar o fora
cara. Cair na estrada. Não é isso que você acredita lá na sua comunidade?
- É...
- Então?
Olho pra
Vincent e lembro das festas aqui neste lugar. Isso já é suficiente pra entender
que não dá pra voltar.
- Pra onde?
– como se fizesse diferença.
- Brasil.
- Que
loucura! Já ouvi falar desse país. Vamos... não importa o lugar... só, por
favor, me diga como?
- Temos
muito dinheiro meu caro – e olha pra Vincent.
- Sua vaca
filha da puta. Desgraçada. Porca. Imunda – insetos entram em sua boca. Ele tosse
e cospe bichos estranhos.
- Você já me
disse que Vincent é um pote de ouro e tudo mais. Mas cadê o ‘ouro’?
- Diga a ele
Vincent... – ela o olha. Insetos o sufocam, não sei quantos começam e invadir
seu corpo pra fazer dele uma nova moradia, cheia de comida.
- Falar o
que? – questionei mais uma vez.
- Olha... é
bem simples. A partir de agora você é o Vincent. Entendeu? A única diferença é
que você não tem dinheiro... ainda não!
- O que você
precisa que ele fale? Por que essa tortura?
- Olha...
você precisa entender que sua vida daqui pra frente vai ser bem diferente.
Vincent não é Vicent... Louie não é Louie... entendeu?
- Como
assim? E a história do Vincent ser um milionário?
- Vincent...
– disse isso pra mim.
- O que?
- A partir
de agora você é Vincent!
Olho pro
cara amarrado na árvore. Está quase sufocado. Louie ou seja lá qual for o nome
dela vai até ele:
- E então
meu amigo? Já se divertiu, já festou o bastante não é? Está na hora de se
despedir... você sabe como é a vida... ela dá voltas...
Fui até ela,
puxei seu braço e perguntei:
- Se você
precisa dele, é melhor mantê-lo vivo, não acha?
- Olhe
aquela bolsa – e apontou pra uma bolsa marrom, com um zíper de fora a fora e um
cadeado.
- O que tem
ela?
- Pegue...
- O que tem
ela? – já com a bolsa nas mãos.
- Consegue
abrir?
- Claro.
- Viu
Vincent, eu não preciso mais de você... – disse perto do ouvido dele.
- O que tem
aqui dentro?
- Muito
dinheiro.
- Não
parece.
- Pode ter
certeza.
Vincent cospe
e faz barulhos estranhos. Já está todo cortado, sangue espalhado pelo corpo, rosto
irreconhecível. Percebo um besouro ou algo parecido corroer seu olho. Ele tenta
gritar, mas ao abrir a boca se engasga com mais bichos.
- Ele vai
morrer – disse.
- Não tem
problema.
E Louie vem até
mim, me abraça e me dá um beijo.
...
Olho pro meu
fusca e ele brilha! Como se gostasse da minha lembrança sobre aquela noite de
sexo. E realmente ela é inesquecível. No nosso último dia, o santuário que
antes era palco de cenas mais macabras, dessa vez tinha apenas um corpo sendo
corroído por insetos e um casal apaixonado.
Luz! Como a
chamei aqui no Brasil, me mostrou que o capitalismo traça uma linha selvagem na
vida das pessoas. Sua estrutura, assim como nós, nega até o fim sua culpa pelo
estado em que se encontra. O colapso mental em que me situo hoje é consequência
dessa mesma queda de ego do sistema que percorre as entranhas do poder mundial.
Igual aos insetos que mataram Vincent, ele busca ‘açúcar’ em outros
territórios, ergue casas, tira os sapatos e coloca seus pés em cima da mesa.
Invade, manda, domina e explora.
Hoje entendo
que fui escolhido. Luz me escolheu pra acompanhar sua jornada. Sou seu fã
número um. Talvez tenham me apaixonado cedo demais e fiquei cego. Fui o braço
de um grande cérebro. Uma grande mulher. Que carregou dentro de si uma guerra
pela vida. O único ser que carrega a vida. Que cria novas gerações. Luz...
...
- O que tem
dentro dessa bolsa?
- Papéis,
hipotecas e algum dinheiro.
- Mas como
faremos pra fugir do país?
- Eu e
Vincent roubamos uma família de republicanos. Estávamos fugidos. Vincent sempre
me maltratou. Nunca fui mulher de levar desaforo, me calei por um tempo e
consegui me livrar dele.
- Quer dizer
que vocês eram um casal de criminosos?
- Sim. Com o
tempo Vincent perdeu a noção. Seu vício aumentou e ele tentava a qualquer custo
me manter submissa a ele. Esperei o melhor momento pra conseguir o que queria –
esperou um pouco, fez uma pausa, olhou pra mim e continuou - Eu me apaixonei
por você. Não é culpa sua e nem minha. Não esperava isso. Queria apenas matar
Vincent e...
- E fugir
sozinha!
-
Exatamente.
- Mas qual
era o plano inicial de vocês?
- O plano
continua o mesmo. Traficávamos. Ajudamos a implantar cocaína nos Panteras
Negras. A CIA comprava da gente. Éramos grandes. Ajudamos a desmantelar um
movimento em troca de dinheiro.
- Sério!
- É... após
isso, quando estávamos fazendo negócios pra fora do país, acabamos conhecendo
empresários caribenhos que movimentavam e movimentam dinheiro em paraísos
fiscais. A América Central é um conglomerado de paraísos fiscais. É assim que
funciona a máfia, fazem negócios ilegais em seus países e levam seu dinheiro
pra esses lugares.
- Não
entendi.
- Nós
comercializávamos cocaína aqui nos EUA. Com o tempo, reunimos uma grande
quantidade de dinheiro. Não tinha como esconder. Então criamos empresas de
fachada pra legalizar o dinheiro. Porém esse tipo de coisa é arriscado. Por
isso resolvemos mandar o dinheiro pra esses países. Lá eles não pedem a origem
da grana.
- Então esse
é o plano?
- Na verdade
é a metade do plano. A outra metade é colocar esse dinheiro na legalidade, só
que em outro país.
- E como
iremos fazer isso?
- Na verdade
está tudo combinado. Iremos ao Caribe. Você vai gostar de lá. Tenho alguns
contatos... já temos uma empresa!
- Nós temos
uma empresa?
- Sim...
agora você é o Vincent, esqueceu? Somos sócios.
- É mesmo...
- Então...
após isso, vamos ao Brasil criar uma outra empresa. A partir daí enviamos o
dinheiro que temos nos paraísos fiscais pra esse novo endereço e legalizamos a
grana da cocaína. Podemos montar qualquer coisa... tem alguma ideia?
- De que? De
empresa? Não... nunca pensei nisso...
- Mas
devemos pensar em algo. Precisamos montar algo. Lá seremos reconhecidos como
investidores estrangeiros. Nosso dinheiro será legalizado.
- E o
tráfico?
- Vamos desfrutar
dele. Colher os frutos. Agora temos dinheiro... e dinheiro faz dinheiro.
- Mas se
você é uma poderosa traficante, porque estava na nossa pobre comunidade?
-
Precisávamos fugir. Dias atrás Vincent se envolveu numa briga de bar com um
parceiro nosso. Ele o matou. Estavam atrás dele. Agora não mais...
- Agora ele
já era...
- Sim...
agora somos só nós dois...
Louie
colocou a cabeça em meu ombro e ficou em silêncio. Não sabia mais o que dizer.
Estava na mão dela. Agora era hora de aguardar, esperar ela decidir.
...
Meu fusca
está radiante. Brilha! Seu amarelo está reluzente. Eu me sinto melhor hoje
também. Luz foi uma visionária. Hoje quando acompanho o que é feito com o
dinheiro aqui no Brasil, percebo tamanha importância nós tivemos pra que isso
acontecesse. Existem inúmeras empresas, diversas transações, mas o sistema
ainda é o mesmo. Desde as práticas de Al Capone ou da consolidação do império
de Las Vegas, tudo é máfia. Quando instituições brasileiras foram privatizadas
em demasia na década de noventa, fui consultado, cheguei a ajudar o crime do
colarinho branco canarinho chegar ao seu auge.
...
- Nossa
história vai ser linda meu novo Vincent. Um Vincent bem melhor...
- E você...
como vou chamar?
- Louie...
eu gosto...
- É mesmo? Pode
ser... bom... vamos deixar isso pra lá... quando chegarmos ao Brasil vou
arrumar outro nome pra você...