quarta-feira, 14 de março de 2012

A iluminada história do capitalista fusca nazi hippie


CAPÍTULO V

Os bichinhos começam a se divertir no corpo adocicado de Vincent, olho pra Louie e percebo onde estou me metendo. Sua frieza me assusta.

...

- Então querido, seguimos o plano?
- Sim... podemos... principalmente se você explicar ‘o plano’ pra mim.
- Sua vaca! – gritou Vincent, já praticamente tomado por insetos.

Ela finge não ouvir. Eu também. Imagine você coberto de insetos e quando grita é recebido com indiferença? Vincent já está pirado e fodido.

- Por que não matamos logo ele? – questiono.  
- Eu preciso te explicar algumas coisas sobre tudo isso. Preciso de alguns minutos pra te dizer algo... e preciso que preste atenção.
- Claro...
- Primeiro. Você topa mudar de país?
- Como é que é?
- Dar o fora cara. Cair na estrada. Não é isso que você acredita lá na sua comunidade?
- É...
- Então?

Olho pra Vincent e lembro das festas aqui neste lugar. Isso já é suficiente pra entender que não dá pra voltar.  

- Pra onde? – como se fizesse diferença.
- Brasil.
- Que loucura! Já ouvi falar desse país. Vamos... não importa o lugar... só, por favor, me diga como?
- Temos muito dinheiro meu caro – e olha pra Vincent.
- Sua vaca filha da puta. Desgraçada. Porca. Imunda – insetos entram em sua boca. Ele tosse e cospe bichos estranhos.
- Você já me disse que Vincent é um pote de ouro e tudo mais. Mas cadê o ‘ouro’?
- Diga a ele Vincent... – ela o olha. Insetos o sufocam, não sei quantos começam e invadir seu corpo pra fazer dele uma nova moradia, cheia de comida. 
- Falar o que? – questionei mais uma vez.
- Olha... é bem simples. A partir de agora você é o Vincent. Entendeu? A única diferença é que você não tem dinheiro... ainda não!  
- O que você precisa que ele fale? Por que essa tortura?
- Olha... você precisa entender que sua vida daqui pra frente vai ser bem diferente. Vincent não é Vicent... Louie não é Louie... entendeu?  
- Como assim? E a história do Vincent ser um milionário?
- Vincent... – disse isso pra mim.
- O que?
- A partir de agora você é Vincent!

Olho pro cara amarrado na árvore. Está quase sufocado. Louie ou seja lá qual for o nome dela vai até ele:

- E então meu amigo? Já se divertiu, já festou o bastante não é? Está na hora de se despedir... você sabe como é a vida... ela dá voltas...

Fui até ela, puxei seu braço e perguntei:

- Se você precisa dele, é melhor mantê-lo vivo, não acha?
- Olhe aquela bolsa – e apontou pra uma bolsa marrom, com um zíper de fora a fora e um cadeado.
- O que tem ela?
- Pegue...
- O que tem ela? – já com a bolsa nas mãos.
- Consegue abrir?
- Claro.
- Viu Vincent, eu não preciso mais de você... – disse perto do ouvido dele.
- O que tem aqui dentro?
- Muito dinheiro.
- Não parece.
- Pode ter certeza.

Vincent cospe e faz barulhos estranhos. Já está todo cortado, sangue espalhado pelo corpo, rosto irreconhecível. Percebo um besouro ou algo parecido corroer seu olho. Ele tenta gritar, mas ao abrir a boca se engasga com mais bichos.

- Ele vai morrer – disse.
- Não tem problema.

E Louie vem até mim, me abraça e me dá um beijo.

...

Olho pro meu fusca e ele brilha! Como se gostasse da minha lembrança sobre aquela noite de sexo. E realmente ela é inesquecível. No nosso último dia, o santuário que antes era palco de cenas mais macabras, dessa vez tinha apenas um corpo sendo corroído por insetos e um casal apaixonado.

Luz! Como a chamei aqui no Brasil, me mostrou que o capitalismo traça uma linha selvagem na vida das pessoas. Sua estrutura, assim como nós, nega até o fim sua culpa pelo estado em que se encontra. O colapso mental em que me situo hoje é consequência dessa mesma queda de ego do sistema que percorre as entranhas do poder mundial. Igual aos insetos que mataram Vincent, ele busca ‘açúcar’ em outros territórios, ergue casas, tira os sapatos e coloca seus pés em cima da mesa. Invade, manda, domina e explora.  

Hoje entendo que fui escolhido. Luz me escolheu pra acompanhar sua jornada. Sou seu fã número um. Talvez tenham me apaixonado cedo demais e fiquei cego. Fui o braço de um grande cérebro. Uma grande mulher. Que carregou dentro de si uma guerra pela vida. O único ser que carrega a vida. Que cria novas gerações. Luz...

...

- O que tem dentro dessa bolsa?
- Papéis, hipotecas e algum dinheiro.
- Mas como faremos pra fugir do país?
- Eu e Vincent roubamos uma família de republicanos. Estávamos fugidos. Vincent sempre me maltratou. Nunca fui mulher de levar desaforo, me calei por um tempo e consegui me livrar dele.
- Quer dizer que vocês eram um casal de criminosos?
- Sim. Com o tempo Vincent perdeu a noção. Seu vício aumentou e ele tentava a qualquer custo me manter submissa a ele. Esperei o melhor momento pra conseguir o que queria – esperou um pouco, fez uma pausa, olhou pra mim e continuou - Eu me apaixonei por você. Não é culpa sua e nem minha. Não esperava isso. Queria apenas matar Vincent e...
- E fugir sozinha!
- Exatamente.
- Mas qual era o plano inicial de vocês?
- O plano continua o mesmo. Traficávamos. Ajudamos a implantar cocaína nos Panteras Negras. A CIA comprava da gente. Éramos grandes. Ajudamos a desmantelar um movimento em troca de dinheiro.
- Sério!
- É... após isso, quando estávamos fazendo negócios pra fora do país, acabamos conhecendo empresários caribenhos que movimentavam e movimentam dinheiro em paraísos fiscais. A América Central é um conglomerado de paraísos fiscais. É assim que funciona a máfia, fazem negócios ilegais em seus países e levam seu dinheiro pra esses lugares.  
- Não entendi.
- Nós comercializávamos cocaína aqui nos EUA. Com o tempo, reunimos uma grande quantidade de dinheiro. Não tinha como esconder. Então criamos empresas de fachada pra legalizar o dinheiro. Porém esse tipo de coisa é arriscado. Por isso resolvemos mandar o dinheiro pra esses países. Lá eles não pedem a origem da grana.
- Então esse é o plano?
- Na verdade é a metade do plano. A outra metade é colocar esse dinheiro na legalidade, só que em outro país.
- E como iremos fazer isso?
- Na verdade está tudo combinado. Iremos ao Caribe. Você vai gostar de lá. Tenho alguns contatos... já temos uma empresa!
- Nós temos uma empresa?
- Sim... agora você é o Vincent, esqueceu? Somos sócios.
- É mesmo...
- Então... após isso, vamos ao Brasil criar uma outra empresa. A partir daí enviamos o dinheiro que temos nos paraísos fiscais pra esse novo endereço e legalizamos a grana da cocaína. Podemos montar qualquer coisa... tem alguma ideia?
- De que? De empresa? Não... nunca pensei nisso...
- Mas devemos pensar em algo. Precisamos montar algo. Lá seremos reconhecidos como investidores estrangeiros. Nosso dinheiro será legalizado.
- E o tráfico?
- Vamos desfrutar dele. Colher os frutos. Agora temos dinheiro... e dinheiro faz dinheiro.
- Mas se você é uma poderosa traficante, porque estava na nossa pobre comunidade?
- Precisávamos fugir. Dias atrás Vincent se envolveu numa briga de bar com um parceiro nosso. Ele o matou. Estavam atrás dele. Agora não mais...
- Agora ele já era...
- Sim... agora somos só nós dois...

Louie colocou a cabeça em meu ombro e ficou em silêncio. Não sabia mais o que dizer. Estava na mão dela. Agora era hora de aguardar, esperar ela decidir.

...

Meu fusca está radiante. Brilha! Seu amarelo está reluzente. Eu me sinto melhor hoje também. Luz foi uma visionária. Hoje quando acompanho o que é feito com o dinheiro aqui no Brasil, percebo tamanha importância nós tivemos pra que isso acontecesse. Existem inúmeras empresas, diversas transações, mas o sistema ainda é o mesmo. Desde as práticas de Al Capone ou da consolidação do império de Las Vegas, tudo é máfia. Quando instituições brasileiras foram privatizadas em demasia na década de noventa, fui consultado, cheguei a ajudar o crime do colarinho branco canarinho chegar ao seu auge.

...

- Nossa história vai ser linda meu novo Vincent. Um Vincent bem melhor...
- E você... como vou chamar?
- Louie... eu gosto...
- É mesmo? Pode ser... bom... vamos deixar isso pra lá... quando chegarmos ao Brasil vou arrumar outro nome pra você...