terça-feira, 2 de julho de 2013

Chip´s of Love - Capítulo Final - Das profundezas ocultas



Otávio nos olhou com um ar arrogante e disse:

- Ótimo! Preciso mesmo falar com o Padrinho.
- Hã? – fico surpreso com a atitude de Otávio.

...

Chamo o Primo de canto, quero saber o que está acontecendo. Era pra Otávio ter medo da chegada do Padrinho e não o aguardar. O Primo me explica que também ligou pro Padrinho e acabou revelando que Otávio estava conosco. Então matá-lo não seria mais possível.

...

- Eu quero saber uma coisa Primo! – grita Otávio.
- Não grita na minha casa porra...
- Eu quero saber o que você tem com esse psicólogo aí? Qual é a relação dele conosco? Como ele tem tanta informação minha?
- Seguinte Otávio, o psicólogo é dos meus, coloquei ele pra ficar ao seu lado. Você pirou cara... eu precisava de alguém pra tentar entender o que se passava.. ou passa... sei lá... eu não sei o que se passa nessa porra dessa sua cabeça cara!
- Entendi. Quer dizer então que botou esse bosta aí pra me espionar?
- Esse bosta te ajudou. Se não fosse ele me avisar que você tinha realmente pirado de verdade, provavelmente você estaria morto uma hora dessas.
- Era essa a intenção.

...

Otávio abaixa a cabeça e começa a chorar.

...

- Eu já te disse cara... ele tá totalmente desequilibrado – digo enquanto olho pro Primo.
- Ei Otávio, fale o que tá acontecendo cara? – que complementa.
- Eu sou psicólogo, é sério... eu posso te ajudar.
- Que horas o Padrinho chega? – disse Otávio.
- No fim da tarde – respondi.
- Ótimo, vou descansar um pouco.

...

Então Otávio pega mais um de seus remédios, toma e vai pro outro quarto.

...

- Que porra está acontecendo aqui? – falo pro Primo.
- Olha cara, você já falou demais. Acho melhor você calar essa sua boca e esperar o Padrinho chegar. Vai dar uma volta, sei lá. No fim da tarde você volta aqui. Some da minha frente.

...

Que merda, o que será que aconteceu? Nosso plano era perfeito. Fazer parte da rede de contato do Chip´s of Love nos deixaria milionários. O que houve? Seria mais lucrativo que tráfico de cocaína. Era a chance de sair do narcotráfico e partir pra outro negócio. O Primo também queria isso; aliás, todo mundo queria, até o Padrinho deixou claro que ajudaria no que fosse preciso. O que será que aconteceu?

Agora falta algum tempo ainda até nosso patrão chegar. Não sei o que faço. Só gastar gasolina andando de um lado pro outro desse jeito aqui no bairro é muito suspeito. Daqui a pouco é capaz da polícia aparecer e me parar. Vou num café comer alguma coisa, esfriar a cabeça.

...

“Seis horas, hora de sair!” – meu celular despertou, pois após a parada, tirei um cochilo no carro. Estou cansado, acho que a pressão e todo esse mistério me deixaram confuso. “Está na hora de resolver logo isso”.

...

Já no território do Primo, sou recebido com olhares desconfiados. Vou até Padrinho, o cumprimento em demonstração de respeito.

- Olá Padrinho.
- Olá psicólogo – diz olhando fixo pra mim.
- Bom, eu liguei pro senhor no começo da tarde... queria...
- Sim, eu sei. Eu sei o que você queria, não precisa justificar sua ligação – me interrompe o chefe.
- Ok. Faz tempo que o senhor está aqui? – questiono. Padrinho faz uma cara de quem achou minha pergunta inconveniente. Senti que falei como se tivesse uma intimidade que realmente não tenho. Escapou! Talvez o nervosismo. O Padrinho não me respondeu, olhou pro Primo e perguntou.
- Cadê Otávio?
- Já chamei, está vindo.
- Ótimo.

...

Otávio chega, olha pro Padrinho e não contém as lágrimas. O abraça com força. Uma cena estranha, meio forçada. O Primo faz uma cara de quem tem inveja. Não entendo a situação. Realmente não entendo. Ver o Padrinho passar a mão na cabeça de Otávio e abraçá-lo com tanta força, parecia um abraço entre amantes! Será? Com tanta perversão naquele computador... não duvido mais de nada. O olhar do Primo com ar de estranheza me diz que tem coisa errada.

...

- Calma meu querido, já estou sabendo o que houve! – diz calmo Padrinho.
- É... eu sei, mas isso não poderia ter acontecido... – e Otávio fica aos prantos.
- Mas o que está acontecendo aqui? – questiona o Primo.
- Ora ora... fala como se não soubesse do motivo pra seu primo estar assim não é?
- Não Padrinho, eu realmente não sei... o cara pirou, se enfiou numa boca, tava cheirando mais que um aspirador de pó e agora só chora. Eu não sei o que aconteceu Padrinho, realmente não sei...
- Será que não sabe? Use sua memória querido, resgate lá das profundezas do seu eu aquilo que o tornou “o homem” que é hoje – diz sarcástico Padrinho.
- Como é que é? Você tá querendo dizer que tem ligação com aquilo?
- Aquilo o que? – interrompo subitamente.

Então percebo que os três olham pra mim com fúria. Acho que não deveria ter me pronunciado.

- Esse idiota viu umas imagens no meu computador Padrinho.
- Que imagens? – diz o chefe.
- De algumas festas.
- O que? Mas como assim? Que desrespeito é esse Primo. Esse homem é dos seus?
- Sim, ele é psicólogo de verdade, eu mandei monitorar o doido do Otávio. Ainda mais depois que descobri que tinha mentido sobre o Chip´s of Love. Eu precisa saber o que estava acontecendo. Porra, esse negócio era pra ser grande e descobrimos que Otávio não tinha ligação com essa parada aí.
- Mas é claro que tem! Como assim não tem! – disse sarcástico Padrinho.
- Não tem, ele está mentindo. Não criou nada – me pronunciei.
- Cala essa boca seu idiota. Ninguém te perguntou nada – disse o Padrinho.
- São uns idiotas, uns merdas – esbravejou Otávio.
- Olha aqui Otávio, se você tá pensando que vai falar comigo desse jeito, na minha própria casa, fique sabendo...
- Calem a boca todo mundo, porra! – gritou o Padrinho.

...

Eu nunca tinha visto o Primo tão assustado.

...

- É o seguinte: não vem mais ninguém nessa reunião, era pra ser entre nós três, mas pelo jeito esse filha da puta aí vai precisar participar, já que viu algumas coisas, não é?
- Não Padrinho, não quero esse filha da puta participando de nada...
- Calma Otávio, calma...
- Mas o que tá acontecendo aqui porra? – questionou, já normalizado o Primo.
- Olhe aqui meu caro... é bom você resgatar tudo o que te tornou o homem que é hoje. Desde sua infância até quando resolveu mudar de ramo, pois tenho um trabalhinho pra você, como nos velhos tempos.
- Do que você está falando Padrinho, eu parei com isso faz tempo! – disse quase desesperado o Primo.
- Não importa o que acha. Não importa mesmo... mas primeiro... antes de mais nada, quero saber de Otávio o que aconteceu. O que aconteceu contigo Otávio, explique-me? Explique-me já.

Otávio abaixa a cabeça e começa a falar, com a voz amarrada. Um aspecto sombrio toma conta do seu rosto, então ele começa:

- Bom, quero dizer que fiquei um bom tempo pensando no que iria dizer nesta hora Padrinho. Um bom tempo mesmo. Confesso que é difícil explicar o que aconteceu. Estava tudo certo. Tudo nos conformes! Mas aquele filha da puta queria usar uma fantasia de padre! De padre! – e começou a chorar.

...

Foi aí que Padrinho olhou pra mim e explicou – “nós mexemos com sexo. Todo tipo de sexo”. Até aí tudo bem. O problema foi quando Padrinho explicou que seu pessoal estava envolvido numa grande rede perigosa de pervertidos. Desde padres até políticos. Esse laço bizarro tornou todos os participantes dependentes uns dos outros, o que fez surgir uma grande família, com grande representatividade nas esferas executiva, legislativa e judiciária.

Padrinho continuou e apontou Otávio como seu melhor funcionário. Um verdadeiro comedor de padres depravados, que gastavam seu dinheiro em orgias sexuais. Também disse que o Primo, inicialmente era como Otávio, mas que depois de um tempo resolveu mudar de ramo e passou a mexer com o narcotráfico. Já Otávio tomou gosto pela coisa e continuou comendo padres.

Os contatos eram feitos pela deep web, tudo interligado com membros de outras máfias que também tinham seus segredos profundos, num território virtual que não é de ninguém, um território que 99% das informações que lá estão não são buscadas no Google. O anonimato no negócio talvez seja uma das poucas regras que existe – “na deep web quem não quer ser achado consegue não ser achado” – disse Padrinho.

 O auge da máfia sexual da qual era novidade pra mim, foi o que o Padrinho acabou de dizer: “os tubarões do mais alto escalão da política nacional são nossos clientes, tanto políticos quanto membros do judiciário, não sobra ninguém”. Apesar de estar quase vomitando, percebo que à medida que o Padrinho fala, Otávio vai normalizando sua fisionomia.

...

Após contar um pouco da história, o Padrinho exige que Otávio conte o que aconteceu:

- Olha, eu acabei recebendo um político que anda sendo muito falado atualmente. Uma pessoa que esteve na opinião pública nos últimos dias.
- Tudo bem Otávio, eu sei quem é – disse Padrinho.
- Pois é, mas eu não – disse o primo.

Eu dessa vez fiquei quieto.

- Olha Padrinho, foi o seguinte: uma vez fui comer esse político famoso aí. Eu confesso que tava doido pra comer o rabo desse tubarão safado. O problema é que esse idiota filha da puta queria se vestir como padre.
- Tá, mas qual o problema? – disse o Padrinho na mais pura normalidade.
- Eu tenho um pacto com os padres da nossa família, um pacto de exclusividade. Por isso não consegui dar continuidade ao programa.
- Mas Otávio, você sabe que não pode desistir de um negócio como esse! – disse Padrinho.
- Eu sei, mas eu não consegui. Não consegui comer o Felicianus vestido de padre, não consegui, eu respeito os padres da nossa família, os padres que conheço desde criança. Por isso não quis me envolver com esse puto desse tal de Felicianus. Eu não podia quebrar meu pacto Padrinho. Ainda mais com nossos padres!
- Tudo bem Otávio, você não fez errado. O problema é que esse Felicianus passou a perguntar insistentemente de você. Ele quer te encontrar novamente, levar uns presentes e tudo mais.
- O que? Você só pode estar de brincadeira né Padrinho? Depois que disse não, minha vida ficou um inferno. E o que é pior. Uma vez eu fui num culto evangélico e adivinha quem era o pastor?
- Você só pode estar de brincadeira! – disse com espanto o Padrinho.
- Sim, o mesmo desgraçado que queria foder comigo é um pastor. Um pastor que queria se vestir de padre pra eu comer o rabo safado dele. Político de merda.
- É Otávio, pelo jeito você ficou numa situação bem complicado. Mas admiro você, acho que fez o certo em manter seu compromisso com nossos padres. Afinal, eles iniciaram tudo isso, não é?
- Sim Padrinho. Pensei a mesma coisa.

...

No fim das contas Otávio Olavo não comeu Felicianus porque o político estava vestido de padre e Otávio tinha pacto com os padres que conhecia desde a infância. O Padrinho só queria uma saída para resolver o problema, já que a bancada evangélica de pastores e políticos buscava serviço de qualidade.

Apesar dos homens do Padrinho conseguir exclusividade com os padres, Otávio Olavo, ao recusar o trabalho com o político, passou a ser contestado entre eles. Por isso há um clima tenso no ar. Talvez Felicianus queira rever o contato pra queimar o arquivo. Ninguém tem certeza de nada.

Foi aí que Padrinho exigiu que o Primo voltasse ao trabalho.

...

Uma mensagem no celular do Padrinho, ele olha pras pessoas que estão na reunião e diz:

- Quando vocês falaram sobre esse tal de Chip´s of Love eu acabei procurando conhecer o que era. Pra saber se o negócio era bom ou não... e você sabe que o negócio pega... agora estou cheio de esquemas por aqui. Realmente essa merda funciona, hoje só penso em transar, é óbvio que um aparelho como esse acaba com a violência, até porque as pessoas só pensam em trepar. É uma coisa de doido cara! Até ando mais calmo nas punições das minhas ovelhinhas desgarradas.
- Está moderno em Padrinho – brincou o Primo, que já havia sinalizado com a cabeça que comeria Felicianus pra deixar tudo em ordem.

...

“Estou fodido. Estou no meio de mafiosos pervertidos sexuais. Eles comem padre, pastor, político, pessoas de todo o tipo. Onde foi parar esse mundo! Meu negócio é tráfico de drogas, mas me sinto um santo perto desses malucos”.

...

- E o que fazemos com ele – diz Otávio, que olha pra mim.
- Podemos matá-lo e depois visitar alguns clientes. Sabe que depois dessa conversa fiquei com saudade dos velhos tempos! – disse o Primo.
- Clientes católicos ou evangélicos? Tenho até uns empresários intelectuais atualmente. Sem contar os políticos, que ajoelham e rezam enquanto lembram dos acordos com o diabo – disse o Padrinho.
- Bom, decidimos isso no caminho – disse o Primo ao olhar pra mim.


Então vejo três armas apontadas. Ouço o barulho dos disparos e nada mais.