terça-feira, 20 de abril de 2010

Arquivos que se vão

CAPÍTULO II

Uma alma penada que caminha por aí com milhões de intenções. Problemas não resolvidos e uma pessoa morta que ainda tem vida pra mim. “A morte do meu amigo não sai da cabeça, penso todo momento naquele velório”. Leopoldo se foi e deixou ‘suas mulheres’ com tamanha felicidade! É algo muito estranho, mas forçadamente tive que cair na estrada mais uma vez.

“Como vou ter uma vida com as melhores ambições, constituir família, acreditar no sistema e nas pessoas?”. Lá se vai mais uma alma! Agora sou uma pessoa viva, mas com a morte a perseguir... não tem como não desconfiar até da minha sombra, depois de tudo que aconteceu.

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Sai da cidade seguindo o conselho da minha amiga. O que adianta, as coisas só pioraram! Não sai da minha cabeça a mulher e a filha do meu amigo dançando e bebendo ao lado daquele bandido. Será que a Letícia está arrependida? Será que ela pode me ajudar? Não há mais tempo, preciso voltar e fazer isso pelo meu amigo, ele faria o mesmo por mim...

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Retorno a raiz do problema. É hora de analisar as coisas. Primeiro encontrar Letícia, depois ver o que podemos fazer, se ela está a fim de entrar com tudo na jogada. Eu estou! Tenho que ir até o fim.

Primeiros dias na cidade, tenho que buscar o velho bar de sempre, pra firmar, ainda mais, a presença do meu amigo. No nosso escritório é que muita coisa acontecia.

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Passo dias pelo bar, troco mais de garrafas do que de cuecas. Os empregos estão mais difíceis e a grana mais curta. Tenho ainda uma cartada na manga, vejo o anúncio de um grande show na cidade, sim... é o Social Distortion que irá passar por aqui. Tenho certeza que lá encontrarei alguém. Talvez minha velha amiga, já que temos o gosto pelo rock em comum.

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Com o pouco que tenho compro o ingresso pro show. É hora de ver o que vai acontecer. O lugar está lotado e não tenho certeza se vou ver alguém ligado ao esquema todo. Porém... se nada der certo, pelo menos sei que será o show da minha vida.

Me preparo pro show, vejo às pessoas que estão por lá, elas também tem alguma esperança. Um conjunto de tribos que se unem num momento que parece uma miragem, de tão aguardada e representativa é a banda pra todos que acreditam na boa e legítima música.

Algo nostálgico no ar. Os tempos de acreditar! O rock faz rejuvenescer o que perdi com o passar dos tempos. No palco vejo Mike Ness, é uma lenda que está mais inteiro do que tudo que acredito. “Porra! O cara está inteiro, disse uma amiga durante o show!”, após voltar do banheiro, fui comprar uma gelada e encontrei Fernanda. “Ótimo te ver, achei que não viria!” – “Quase vendi meu ingresso” – disse ela, pois havia, no dia anterior, visto o show do Krápulas e estava numa ressaca fodida, mas não podia perder esse show.

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“Bye Bye Baby” foi uma surpresa pra mim, uma música que me fez lembrar da filha e mulher de Leopoldo. Elas deviam estar dançando no inferno com esse som, enquanto meu amigo se movia no além em busca de um taco de sinuca pra quebrar na cabeça daquelas traíras de merda. “Bad Luck” meu amigo. O jogo está aí, você perdeu, agora eu vou vingar sua alma.

Enquanto as coisas não acontecem, fico hipnotizado pelo punk rock do Social Distortion, alias, não sou o único. O clima é de festa, mas o sangue no olho também é forte. Insisto em procurar alguém daquela turma de merda que acabou com uma vida que merecia estar por aqui, junto comigo e com meus amigos.

É tudo tão clássico, parece que o cinema veio até mim. Um filme de suspense. Mas a realidade não me deixa ir tão longe. Fico distraído um tempo e levo uma cotovelada na cara. A roda de pogo estava generalizada quanto o Social mandou “The Creeps”.

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“Preciso de mais cerveja” – vou até o bar. Olho ao fundo, no alto, nos camarotes, onde estão alguns privilegiados. Avisto de longe a Letícia. Ela com sua pose punk, uma Nancy sem o Sid. Minha perna bambeou – “Será que é ela!”. Fico paralisado. Aí Mike Ness inicia “Cold Feelings” – “Que porra é essa, é pra eu tremer mesmo ein Mike!”. Os filhas da puta acertaram na veia mesmo.

Então ignoro a roda de pogo e atravesso todo o lugar pra ver se é Letícia mesmo. Lá está minha amiga, mais hipnotizada que todos. Sim! Ao seu lado a mulher e filha de Leopoldo, junto a elas o cafetão que assassinou meu camarada.

Numa atitude desesperada jogo a lata de cerveja que estava em minhas mãos na direção do camarote deles, acerto a cabeça do filha da puta. Pouca gente viu, percebi a tempo o que havia feito e sai no meio da roda de punks que se quebravam ao meu lado. Olhava aos poucos pra eles, tentava perceber se eles haviam me visto. Só flagrei aquele bosta conversando com alguns caras, depois disse algo pras meninas e saiu.

“Porra! Será que ele me viu?” – olhei pra cima e vi Letícia sair correndo também. “Fodeu! Todos me viram!”. Sim... provavelmente um daqueles caras é segurança daquele assassino de merda e viu meu lançamento. Pelo menos foi na cabeça do filho da puta.

“Sometimes I Do” Social Distortion... realmente sometimes. E dessa vez foi na cabeça do porco imundo. Fiquei perto do bar, onde poderia ver quem se aproximasse. E por incrível que parece estava perto do palco, via o show melhor que qualquer outro lugar. “Tô na merda mesmo, vou beber!” – e peguei mais uma gelada.

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“Esse solo do Mike Ness com sua Gibson Les Paul, isso é tirado das entranhas, que feeling é esse!”.

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Letícia vem em minha direção. “O que você está fazendo aqui?” – me olha com raiva. “Vim aqui resolver algumas coisa, você sabe não?” – “Você só pode ser um suicida mesmo” – e deu risada. Perguntei se o assassino havia me visto ela disse que ele havia levado uma latada na cabeça e foi ao banheiro, pois abriu seu supercílio.
Comecei a rir. “Está rindo do que?” – “Foi um belo lançamento!” – “Foi você?” – ela me olhou com surpresa. Estava vendo o show do Social Distortion agora ao lado da pessoa que abriria as portas pra eu vingar meu grande amigo.

“Como você consegue ficar ao lado dessas pessoas?” – “Eu não tenho escolha... eu sei demais, se pisar na bola quem vai pra cova sou eu!” – “Vou vingar nosso amigo e você vai me ajudar, não consigo dormir sem fazer algo por ele!” – ela me olhou e consentiu. “Vamos fazer o seguinte, eu preciso voltar! Vai naquele bar de sempre que vocês iam. Amanhã à noite, depois das dez, chega lá essa hora, não fique esperando, de lá vamos pra outro lugar”.

E saiu como se fosse um raio em meio aos punks. O show já estava no fim. “Prison Bound” é demais pra mim, poderia morrer agora com um tiro no nariz. Mas tenho que fazer um serviço antes.

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Encontrei novamente Fernanda, depois mais alguns grandes amigos que moram em meu coração. Então o show passou a ser melhor do que eu pensava. E com “Ring Of Fire” o Social se foi, eu fiquei. Agora estava tudo soando como uma orquestra. Faltou ouvir nesse momento “When The Angels Sing”, mas seria demais. Então as coisas estavam se encaixando. De volta à cidade, encontro meus amigos e esqueço por um momento de uma grande vingança que está por vir.

Caminhamos pra fora da casa de show. Estou feliz por estar ao lado de quem estou. Só assim pros pensamentos ruins irem embora.

Dou um abraço em cada amigo meu. Eu e Fernanda entramos num táxi, fomos comprar mais cerveja e terminar a noite no apartamento dela.