“Abrir a porta do apartamento foi como engatilhar um
revolver e mandar uma bala na cabeça de deus. Tudo que queria naquele momento
era renascer; sem pudor, sem medo, sem roupa... eu fui ao apartamento
totalmente eufórico. Quando me lembro da adrenalina que foi aquela noite; nosso
primeiro encontro! Não tenho dúvidas... não há nada que substitua aquela noite”
– Otávio Olavo.
...
- Otávio, conte-me como foi o primeiro encontro entre você,
sua ex-mulher e mais uma amiga?
- Ok. Mas essa história do ménage a trois foi só mais uma
surpresa!
- Como assim?
- A verdade é que quando cheguei ao apartamento só estava
minha ex-mulher.
- Sério? E a outra mulher?
- Bom, ela apenas emprestava o apartamento.
- Emprestava? Foram mais vezes por lá então?
- É... por lá foram umas três vezes...
- Tá certo. Então conte da primeira noite!
- É como eu disse, cheguei igual um cachorro louco. Quando
abri a porta tocava um Morphine. Conhece essa banda?
- Não.
- Bom... lembro até da música: Super Sex. Sinceramente, eu
amo Morphine. Mas quando a vi! Meu... sinceramente... juro por tudo que é
sagrado... na minha mente fez-se silêncio. Não escutei nada, nem sinos, nem
bateria, nem baixo, nem saxofone. Não ouvia porra nenhuma.
- Sério. E como ela estava?
- Linda! Eu matava até deus por ela. Aquilo foi lindo!
Quando abri a porta ela estava de costas, dançava lentamente, na levada da
música. E com uma lingerie de couro, se virou pra mim. Olhei aquela maquiagem
pesada, olheiras – como se fosse uma modelo junkie da década de noventa -; com cabeços
escuros longos e lisos; sua pele branca... meu deus... o que foi aquilo!
- Ora você diz que quer matar deus, ora você clama por ele.
- É pra você ver o tamanho da confusão que isso causa em
mim.
- Mas e aí... o que aconteceu?
- Bom... ela sorriu e disse: “oi amor... bem vindo ao nosso
novo mundo. Não esqueça, esse novo mundo é só nosso!”.
...
Seu Laércio entrega a Otávio Olavo uma dose de Johnny
Walker.
- Pode ser um red?
- Pode ser.
- O que houve meu amigo, por que está cabisbaixo assim?
Broxou? – e deu risada.
- O que é isso Laércio, não fale assim com meu amigo.
- Stifen! O que faz aqui?
- Queria ouvir umas boas histórias, então vim procurar nosso
grande contador de causos eróticos, nosso amigo Otávio Olavo.
- Pois é meu amigo, mas dessa vez acho melhor você contar
algo de bom pra mim, porque hoje só estou aqui pra beber...
- O que é isso meu irmão. O que houve?
- Não quero conversar sobre isso. Prefiro ouvir...
Otávio abaixou a cabeça, olhou pra dose e virou. Logo pediu
mais uma; algo habitual. Seu Laércio logicamente preparou mais uma dose pro seu
melhor cliente.
Stifen, amigo de Otávio, estava sentado numa mesa no canto
do bar. Otávio entrou e foi direto ao balcão, por isso não viu o amigo. Os dois
são companheiros de trabalho, publicitários que tem um empreendimento sólido no
mundo da comunicação.
O sócio de Otávio Olavo é bem diferente, é daqueles viciados
em trabalho. Não importa se é madrugada, não importa quantas horas tem o dia,
pra ele, as horas foram feitas pra trabalhar.
Talvez eles se completem, Otávio é o cara que tem ótimas
ideias, Stifen é o cara que faz acontecer.
...
- Um novo mundo, totalmente inusitado pra você, é isso?
- Sim... um mundo que só nos dois viveríamos...
Nesse momento Otávio fica com a garganta travada e seus
olhos se enchem de lágrima...
- Tem saudade dela?
- Não é só isso. Eu ferrei com nosso esquema todo...
- Tudo bem... antes de você entrar nessa questão, prefiro
que fale da primeira noite. Valeu a pena?
- Claro que valeu. Como não valeria? Imagine chegar num
apartamento desconhecido e encontrar sua namorada clamando por sexo, escutando
Morphine e dançando como uma serpente diabólica?
- Entendo.
- Nas nossas noites, não existia nada melhor que as nossas
experiências.
- Deixa-me ver se entendi. Essa foi a primeira noite, certo?
- Certo.
- Mas a princípio, ainda não percebi nada de extraordinário
no que me contou...
- Bom, a primeira noite talvez tenha sido a mais normal
realmente. Não foi a questão da anormalidade, entende? Foi a transgressão! O
diferente! Isso porque levávamos uma vida muito normal!
- Entendo.
- Sabe cara, depois daquele dia, tudo mudou. Não digo que
foi uma noite diferente, sexualmente falando. Se for falar disso, essa noite
foi a mais normal. Porém o que veio após isso foi fantástico!
- E o que veio depois disso Otávio?
- Olha... nossa vida estava monótona. Aquilo pulsou nossos
corações. Foi um sexo tão intenso nessa primeira vez, que nos outros dias nossa
relação mudou. Nossa forma de tratar um ao outro mudou. Eu queria a fazer gozar
todo momento. Ela queria me fazer gozar todo momento.
- E vocês faziam?
- Olha... o orgasmo é algo estranho. Pra mulher é totalmente
cerebral. O homem tem outra relação com o orgasmo. Quando abrimos nossa
imaginação naquele apartamento, comecei a entender que precisa existir uma
cumplicidade.
- Como assim?
- Cara... as vezes um orgasmo começa pela manhã, com um
simples bom dia! Com carinho! E vai acabar com um bom sexo no fim da noite.
- As vezes?
- Sim, nós preparávamos nossa noite durante o dia.
Mandávamos mensagens um pro outro. Era tudo criado, era tudo cerebral. Nossa
imaginação era aguçada todo momento.
- Vocês sempre transavam de forma inusitada ou também no
modo, vamos dizer assim, padrão!
- Por incrível que possa parecer, normalmente era no modo
padrão. Mas quando o padrão virava tédio, eis que caía na minha caixa de
mensagem um sms “desconhecido”. E não era só o sms, mas o número da mensagem
também era diferente. Realmente queríamos nos passar por outras pessoas. As
mensagens eram matadoras, atingiam minhas entranhas. Eu sempre ficava no
aguardo de mais uma mensagem. No aguardo de quando um número diferente entraria
na minha caixa de entrada do celular. Essa espera me deixava doido...
- Imagino que deva gerar uma grande expectativa mesmo!
- Ninguém faz ideia do que era nosso relacionamento!
...
- Otávio, chega de beber, vamos embora – disse Stifen.
- Me solta, não vou sair daqui. Seu Laércio, mais uma dose,
por favor.
- Não Laércio, não... chega... ele já passou da cota!
O amigo de Otávio não queria vê-lo pior do que já estava.
Tentava evitar o porre. Até porque, até aquele momento, Otávio Olavo não havia
dito nada sobre seu relacionamento.
- Porra Otávio, o Stifen está certo, você já bebeu muito.
Como vai chegar em casa desse jeito? O que sua mulher vai pensar?
- Eu não tenho mais minha mulher, porra! – disse Otávio
enfurecido, com uma voz falhada, como se tivesse um nó na garganta. Ele continuou:
- Não tem mais nada. Não tenho mais nada. Sou um bosta. Um
fodido. Um corno fodido...
- Mas o que é isso cara... do que está falando? – disse
assustado Stifen.
Tanto o dono do bar quanto o amigo de Otávio gostavam de
escutar as histórias de sexo contadas pelo amigo. Essa notícia pegou todo mundo
de surpresa.
As histórias explícitas sobre algumas aventuras do casal, das
fantasias que realizavam, deixavam todos intrigados e instigados. Mas Otávio
Olavo nunca contava a metodologia do casal; como os encontros eram marcados; a
maneira que sua ex-mulher criou pra apimentar a relação. Porém agora, depois de
tanto beber, esse segredo estava em risco.
- Cara... como assim acabou? Semana passada você contou
sobre a ‘oil transa’! Aquela hilária história em que vocês dois estavam de
sunga e bike fazendo uma versão pornô do ‘oil man’!
- É, eu sei. Muita coisa pode acontecer no intervalo de
poucos dias. Comigo não foi diferente, muita coisa mudou nessas últimas horas. Muita
coisa cara... muita coisa... – então Otávio começou a chorar.
- Que porra é essa cara... o que será que aconteceu? –
perguntou curioso Seu Laércio pra Stifen.
Enquanto Otávio abraçava seu copo de whisky, olhava pro
fundo do vidro, via seu reflexo e chorava compulsivamente, Seu Laércio
levantou, fechou o bar – só estavam os três. Também pegou mais dois copos e
serviu três doses. Otávio enxugou as lágrimas, olhou pros amigos e disse:
- Eu tenho um trauma...
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