E lá
está o casal de pastores. Eles caminham no Parque Barigui, famoso ponto
turístico da capital paranaense. Ambos falam sobre dinheiro, ascensão social da
‘raça’ pastor e a vantagem de ser rico à custa da crença das pessoas. Também
comentam sobre estratégias pra continuar a iludir seus fieis.
Já o
pinscher não anda legal. Não segue o mesmo caminho dos seus donos, esses que
precisam apertar a coleira toda hora pra por o pequeno cão nos trilhos.
O
bichinho atrapalha a caminhada dos pastores. Cruza a frente dos seus donos, rosna
e late pra quem passa por eles.
...
Há
uma discussão por aí sobre o pinscher: se ele é ou não é um cachorro chato. Mas
isto não vem ao caso.
...
- Que
cachorro chato! – diz a pastora.
- Por
que compramos? Você lembra?
- Pra
caminhar no parque. Há sempre novos fieis a serem conquistados... não é?
- Mas
ele rosna e late toda hora. Até quando falamos. Atrapalha tudo...
-
Acho que é porque ele é novinho!
...
Nem o
próprio cachorro acredita nas pregações dos pastores. Como é que pode tanta
gente acreditar! Mas isso também não vem ao caso.
...
Perto
da beira do lago Barigui está sentado ao pé de uma árvore um jovem. Ele fuma um
baseado tranquilamente, bem sossegado.
-
Olha aquele menino! Meu Jesus Maria José... ele tá fumando maconha? – diz a
pastora.
-
Sim, está.
-
Cristo! Ele tá perdido na droga o coitado.
-
Esse vai morrer de overdose logo logo. Daqui uns dias ele vai aparecer no
jornal!
- Vou
orar pra sua alma!
-
Amém!
...
Então
inesperadamente o pequeno cão vai a toda velocidade em direção ao jovem e o
morde sua panturrilha. Abocanha a ‘pantuca’ do rapaz. Crava os dentes e arranca
sangue...
Os
pastores não esperavam a fuga repentina do pinscher. Foi um segundo de
distração e o cachorro fugiu! O casal se sentiu traído pelo cão adestrado.
...
Mesmo
após a mordida, o jovem continuou a tragar seu baseado e apreciar o céu, as
árvores, o lago...
Já o
pinscher, após o ataque kamikaze, voltou aos pastores com gotinhas de sangue
entre os dentes. O pastor gostou pela primeira vez do pequeno cão. “Tá
aprendendo” – comentou quando o cachorro retornou aos seus donos.
...
Após
alguns metros que caminharam, da mesma forma repentina que o cachorro fugiu,
agora ele parou! Se antes latia e rosnava; atrapalhava a caminhada dos
pastores, agora ele subitamente ficou imóvel! Aparentemente reflexivo.
Não
adiantou o casal se ajoelhar e chamar o bichinho. Nem bater palma, cantar,
rezar, assoviar... nada fez o pinscher sair do lugar...
...
O
pequeno cão observou ao seu redor e vagarosamente foi em direção a um arbusto.
Aparentemente o pinscher se sentia bem. Então ele sentou em frente aos pequenos
galhos e comeu lentamente a vegetação, apreciando cada folha.
Os
dois pastores se olham sem entender:
- O
que aconteceu com esse bicho? – disse o pastor.
- Não
sei.
-
Acho que foi a maconha.
- Que
maconha?
- Do
cara que ele mordeu.
-
Será?
-
Claro! O diabo está no sangue das pessoas. Vai saber o que tem no sangue
daquele ‘emaconhado’.
-
Será?
-
Você tem alguma dúvida? Você não crê na minha palavra?
-
Claro!
-
Então?
-
Ah... então se for assim, sim.
-
Ótimo.
- Aí
meu santo! - se assustou a pastora e
apontou pro pinscher.
...
E lá
está o pequeno pinscher! Em posição de ataque. Seus movimentos de vai e vem se
intensificam. Sim! Ele fode agora uma pequena árvore, ao lado do arbusto.
Então
o pequeno cão começa a amolecer. Sua perninha não dá conta de suportar todo o
peso do resto do seu corpo. Suas patinhas dianteiras, apoiadas na árvore, com
suas unhas pontiagudas agarram o tronco com mais força!
O
pinscher goza!
Porém
no auge da foda os pastores fodem com a porra toda.
Interrompem
a transa do pequeno cão.
...
Como
se latissem, os pastores blasfemam contra o pinscher. Eles gritam para os
deuses, se culpam, discutem entre si...
Tudo
isso chamou a atenção do jovem ao pé da árvore, que passou a observar, já com a
ponta apagada entre os dedos, a situação. “Estou viajando legal!” – pensou ao
ver um casal dando sermão num cachorro.
...
Foi
então que o pinscher latiu!
Mas
não foi um latido qualquer. Aquilo soou diferente. Um som jamais ouvido antes
pelos pastores.
Eles
se calaram! Todos se calaram! O latido foi tão alto que todos que caminhavam
pelo Parque Barigui escutaram! E todos pararam o que faziam.
E o
pinscher latiu mais uma vez, agora também uivou! E uivou mais uma vez, num
compasso indescritível. Aquilo hipnotizou a todos.
Os
únicos que não foram atingidos pelo som do pinscher foram os outros animais do
parque; esses que começaram a se aproximar do pequeno cão. E logo uma grande
quantidade de cachorros, gatos, pássaros... tudo que tinha vida no parque, se
reuniu em volta do pequeno animal.
Aí o
pinscher, em mais um grito de liberdade, guiou a todos numa corrida frenética
em direção ao lago do Barigui. Todos entraram na água. Uma festa indescritível.
Faziam todo tipo de barulho. Uma orquestra selvagem. Pulavam e
mergulhavam.
Naquele
momento não se ouvia carros na estrada. Música nos carros. Os fones de ouvido
se renderam ao canto primitivo dos animais.
Os
peixes saltavam e faziam pose no ar! Depois mergulhavam e como se fossem
impulsionados pela água, voavam novamente.
Os
pássaros subiam ao céu entre as nuvens e desciam velozmente em belos rasantes a
mergulhar na água... para depois voltar a voar! E os movimentos se repetiam
numa beleza única, sincronizados...
...
Viva
a liberdade! Aquilo foi um canto de liberdade!
...
Então
o pequeno cão repentinamente volta a si. Seus olhos ainda baixos não estão mais
tão vermelhos.
Ele
olha os pastores que voltam e emitir som de vossas bocas.
Puto
da cara pela gozada interrompida ele acoca e dá uma cagada. Então vai de cabeça
baixa em direção aos seus donos, com cara de cachorro carente...
- Aí
que bonitinho! Não faça mais isso tá bom? – e dá-lhe blá blá blá da pastora,
que pega seu pinscher no colo e faz carinho no animal.
E enquanto
isso o pastor recolhe a bosta do pequeno cão com uma sacola de mercado.
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